AH CAROLINA!

Carolina podia ser considerada quase uma alienígena dentro do universo de pessoas que convivíamos diariamente no ambiente de trabalho.

Do alto dos seus vinte poucos anos, ela transitava com a leveza de uma brisa, encantando todos marmanjos, que em sua passagem, por reverência, faziam respeitoso silêncio, se mantendo assim, enquanto permanecesse ao alcance dos olhos. Em seguida, tudo voltava a normalidade.

Ela nunca seria considerada um avião, pois não dispunha dos elementos básicos deste tipo de mulher, caracterizada por esfuziantes curvas, onde predominava fartura de peitos e bunda, moldando seu perfil.

No seu caso, a beleza soava discreta, combinando um jeitinho especial de caminhar, à simplicidade no vestir. Sua voz baixa trazia tranquilidade ao ambiente, te obrigando uma quase leitura labial, e que lábios! Seu sorriso contido, concretizava a abstração do que é, essa tal da felicidade.

Interessante mesmo era apreciar a harmonia das partes, gerando um todo singular, em síntese Carolina era muito.

Pelo que rolava nas conversas, inclusive entre suas colegas, ninguém sabia a razão dessa deusa permanecer só, somente só, embora fosse musa inspiradora de boa parte do contingente masculino da instituição, em sua maioria jovens e desimpedidos.

Vale lembrar, que no final da década de 70, empresas de assessoria na área de informática se constituíam numa espécie de prolongamento do Ensino Médio ou do Superior. O corpo de funcionários eminentemente jovem, com ebulição de hormônios sempre presente, num ambiente pautado por cartões perfurados e formulários contínuos que pautavam o trabalho cotidiano.

Horários flexíveis, então, fartamente utilizados, para fugir dos constantes engarrafamentos de programas na fila do processamento. Entenda-se essa flexibilização do expediente, como mais um atrativo de aproximação, que na calada da noite incitava possíveis relacionamentos.

Neste momento da história, acontece uma zebra, não aquele quadrúpede listrado, mas aquelas dos jogos de futebol, materializada na figura de um soturno programador, daquele tipo que não troca uma palavra com ninguém, no máximo emite respostas monossilábicas. Podia ser considerado quase uma alma penada, não participava de eventos esportivos, pouco circulava nos corredores e não se articulava com ninguém, optando inclusive por almoçar em horários alternativos, evitando assim contato social.

Esse sujeito prá lá de esquisito, fomos saber depois, se tornara adepto da dieta macrobiótica, aquela que inibe consumo de água e proteínas, restringindo o cardápio a raízes, sementes e algumas poucas frutas. Essa filosofia alimentar vai deixando as pessoas amareladas e murchas, em pouco tempo as transforma em uvas passa.

A imagem taciturna do Henrique, típica de quem professa a macrobiótica, nada se alterou, mesmo desfrutando daquela companhia especial.

Semanas passaram rapidamente, e o felizardo namorado da Carolina mantinha-se praticamente inalterado, sujeitinho turrão esse tal de Henrique.

Para desespero da rapaziada, quem vinha gradativamente definhando a olhos vistos, era à coitada da Carolina. Sabe tudo aquilo que foi dito anteriormente sobre a musa da repartição, caramba, agora se desfazia com espantosa rapidez.

Ela aderira a essa alimentação esquisita e colhia os frutos da opção, sua pele perdeu viço, seu olhar intenso, parecia amargurado, a esclera perdera o radiante branco, agora transformado num amarelo fosco.

Sua graciosa maneira de caminhar sofrera radical mudança, movimentos passaram a ficar pesados, como se estivesse carregando um fardo, e não, mas aquele corpinho sedutor. Perdera seu cintilante sorriso, que estava em processo de ressecamento generalizado, e isso ficava evidente nos lábios, agora murchos e quebradiços.

Perdi os capítulos seguintes da história, e a razão foi a mudança de emprego. Muitas décadas se passaram, e este assunto estava adormecido em alguma parede da memória.

Há alguns dias esbarrei com uma senhora na rua, ela me reconheceu, era ela mesma, Carolina que povoara por um bom tempo meus sonhos, agora com pouco mais de sessenta anos, conseguira recuperar parte do vigor, tão precocemente perdido no passado.

Interessante, ela ter me feito escutar seu sofrido relado, de que sua vida só mudou, quando decidiu dar um basta naquele nosso colega de trabalho, que tinha escolhido como primeiro namorado, e que em pouco tempo se viu casada.

Relatou com muita franqueza, as dificuldades para colar os caquinhos, do que restou do seu mundo. Depois de conviver por anos a fio uma relação obsessiva, que foi levada ao limite, tanto do aspecto físico, como do psicológico.

A verdade, é que nunca saberemos como será o amanhã, e se seremos capazes de alterar nossa rota de vida.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 27/10/2023
Código do texto: T7918126
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