CARROSSEL

Euzébio e Reginaldo nasceram no mesmo dia e desde que aprenderam a andar se tornaram companheiros inseparáveis em tudo o que faziam. Suas casas de frente uma para outra, na rua da periferia do bairro foram testemunhas mudas das diabruras que os dois faziam.

Apesar de fisicamente idênticos, Euzébio era sarará de cabelo ruivo cacheado e esvoaçante na altura do ombro.

Reginaldo, preto daqueles que até o branco do olho é amarelo, mandava o barbeiro raspar o pixaim que nunca admitiu pente.

Brincalhões, sorridentes e levando a vida em alto astral apesar das reclamações e castigos da professora, única em suas vidas, porque depois dos quatro anos do primário, acharam que já estavam sabidos demais e abandonaram os estudos de uma vez por todas.

Reginaldo arranjou emprego na borracharia e por sua cortesia, conquistou a preferência dos clientes caminhoneiros.

Entre eles havia um senhor, já de certa idade, que lhe sugeriu abrir a própria oficina na estrada para que os caminhoneiros não precisassem entrar na cidade.

Com o entusiasmo de sempre Reginaldo chamou o amigo para sócio e juntos abriram a nova borracharia instalada no terreno baldio junto ao posto de combustível.

O banco emprestou o dinheiro para a compra dos equipamentos e as tábuas para fazer o galpão aonde os amigos, sem domingos nem feriados, se revezavam nas 24 horas para que os clientes fossem prontamente atendidos pela, sem portas, Borracharia Viagem Tranquila.

Eles que naturalmente já eram troncudos e musculosos, pelo esforço braçal que o serviço com pneu de caminhão exige, ficaram parecendo halterofilistas.

Neste ano, a festa da padroeira coincidia com o centenário de fundação da cidade e o padre anunciou aos quatro ventos que teria uma festa grandiosa, com roda gigante barracas de comidas, de beijos e de tiro ao alvo, com os brinquedos tradicionais e um carrossel de cavalinhos vindos diretamente da capital, além da difusora com o Correio Galante no programa “De arguém para vocêr”.

Acontece que para o carrossel funcionar, era necessária fonte de energia que a cidade não dispunha.

O prefeito tirou o corpo da questão dizendo que não podia fazer nada. Que era adversário político do governador e outras desculpas esfarrapadas que os políticos costumam dar.

Se o carrossel, lindo coloridíssimo com as cadeiras imitando carruagens e os 48 cavalinhos emparelhados, ficasse lá, paradão no meio da praça, servindo só de enfeite, seria o fracasso que iria empanar a festa que tinha tudo para ser grandiosa.

A solução do problema veio com o fato de que, para efetuar possíveis reparos, o motor elétrico era dispensado e o carrossel se movimentava com o uso de duas manivelas instaladas ao lado do pivô central.

A dúvida agora era, quem teria força bastante para movimentar o brinquedo que sem ninguém pesava mais de duas toneladas?

Imagine o peso quando ele estivesse cheio de gente...

A beata Maria do Céu lembrou ao padre que os “meninos” Euzébio e Reginaldo eram fortes como bois de carro e, nas noites do fim de semana da festa, pela primeira vez em mais de dois anos a Borracharia Viagem Tranquila não esteve à disposição dos clientes, porque o carrossel não parou de funcionar desde o fim da missa até de manhã.

Continua em: ACONTECEU NA FESTA