Depois da Ventania
Parece que tudo que acontece no sertão, é obra de mistério ou mesmo das crendices do dia a dia.
Desta vez na Venda do Seu Nonô, lá nas bandas de Contria, mais precisamente próximo à Ponte da Garça, no Córrego da Garça, famoso, aonde os pescadores iam aos finais de semana e havia aqueles que eram fãs da pescaria de Traíra, peixe da carne deliciosa e até tinha uma disputa pra quem conseguisse pegar mais.
Bom. O Seu Nonô tinha um caderno surrado, já encardido pelo tempo, aonde ele anotava o fiado. Mas, na parede uma placa: “Fiado só se fô pa mode pagá dispois da ventania.”
Contava-se que naquela região, que todos os dias ventavam depois dás 5 da tarde e já era de costume, as pessoas firmarem como Seu Nonô que iriam pagar as contas tal dia e depois da ventania.
Pensa numa ventania forte. Olha, parecia que o mundo ia acabar.
O Raimundo do Bento e o Benedito combinaram uma pescaria e como convidado. Eles chamaram o Zé de Calixto. Caboclo trabalhador e na foice não tinha pra ninguém.
Ao chegarem ás margens do Córrego da Garça, foi uma alegria e cada um se ajeitando, um preparava o tira-gosto, o outro buscava a água e o Zé de Calixto quando abriu o saco que estava sua tralha, deparou com a falta da cachaça que ele ficou incumbido de levar. Imagina no frio que fazia e ficar ali sem molhar a palavra pra aquecer a alma era muito triste. E ele:
- Gente! Num conto o que acunticeu! Óia. Vô contá. Isquici a danada da cachaça. E agora? Vai sê o jeitio nóis guentá o frio.
O Benedito que gostava muito da marafa, foi logo revidando:
- Sê tá doido Zé? Logo a cachaça pa mode nóis biliscá que ocê isqueceu? Antonce vamo vortá pra casa.
O Raimundo do Bento para encontrar uma solução, foi logo ao assunto:
- Óia gente. Incontrei a solução. O Seu Nonô vende fiado. E tem uma Venda ló aí abaxo do corgo. O Zé pode comprá na mão dele.
O Zé ouvindo aquilo ate se animou, mas:
- Óia pessuale. A ideia é inté boa, mais, tô sem bufunfa. Se ele vendê preu...
E ele foi rumo a Venda do Seu Nonô. E chegando lá:
- Batarde Seu Nonô. Sô amigo do Remundo do Bento e nóis tá pescano logo ali no Corgo da Galça e isquecemo a cachaça. Se o sinhôre querditá ne mim, me vende 01 litro da boa pa mode ispantá o frio. Amanhã eu vorto e pago o sinhôre.Tem jeitio?
A influência do Raimundo do Bento na região era boa e ele:
- Moço! Só de falá no Remundo do Bento as portêra abre. Mais ocê tem que pagá dispois da ventania. E a ventania se o sinhôre num sabe, é ás 5 hora da talde.
Naquilo o Zé de Calixto entusiasmou e:
- Craro! Seu Nonô! Pode ficá tranquilo que na quarta-fêra da semana que vem, adispois da ventania, eu pago o sinhôre. Pode dêxá arrigistrado no caderno.
Aproveitando a boa vontade do Seu Nonô, o Zé:
- Óia, Seu Nonô. Pode me dá logo uns 3 litro de cachaça, 2 parmo de fumo e vô levá aquele lampião. Ah! E o coroseno. A noite vai ficá fria e iscura.
O Seu Nonô o atendeu e anotou no caderninho surrado que ficava em cima do barril da cachaça.
Ao chegar à beira do Córrego da Garça foi uma alegria incontida, o Benedito colocou no coité uma talagada da boa, o Raimundo foi atrás e o Zé pra não ficar por baixo – como se fala por aqui – colocou uma chamada da boa e mandou goela abaixo. E o Raimundo:
- Vixi! Uai Zé! Ocê comprô foi a Venda do Seu Nonô!
Ele logo retrucou:
- Uai! Nóis é ô num é pescadôre?
Bom, aquilo foi desenrolando a prosa, uma daqui, outra dali e o Benedito:
- Certa vêis comprei na mão Seu Nonô e atrasei. Ele inté ameaçô eu de morte. Foi cobrá de mim cum a cartuchêra. Sorte é queu tinha vindido um capado e paguei ele.
Naquilo o Zé esbugalhou os olhos e:
- Moço! O home é brabo ansim? Afff!
Bom. E a pescaria foi muito proveitosa, todos pegaram uns peixinhos, o Raimundo do Bento, pegou a maior Curimatá e no anzol. Notava-se que o Zé estava muito preocupado. Ajuntaram suas tralhas e foram para suas casas.
E foi chegando o dia do pagamento e o dinheiro não aparecia e o Zé foi ficando com medo e a sua mulher, a Izídia que já sabia da fama do seu marido como mau pagador e do Seu Nonô como bravo foi logo ao assunto:
- Ô Zé! Eu fui na Venda do Seu Nonô comprá o sale e ele me disse cocê tá deveno ele. O home é violento e trata de pagá ele no dia certo. Sinão a pipoca vai cumê.
Aquilo deixou o Zé mais preocupado e tinha que haver uma saída.
Na beira do Córrego da Jaguatirica, morava o Seu Leôncio Benzedor, que fazia para de chover, tirava as cobras dos pastos e outras magias. O Zé de Calixto arriou o Generoso, seu cavalo de estimação e foi procurar o Benzedor. Ao chegar à casa do Seu Leôncio:
- Dia! Seu Leôncio! Como vai a famiage? Vim inté aqui pa mode vê se o sinhôre pode arresorvê, uma pendenga. Fiquei sabeno que o sinhôre é Benzedôre.
Seu Leôncio muito carismático:
- Dia! Apeia do animale e entra pa dento. Toma um cafizin premêro.
Aquilo deixou o Zé mais tranquilo e foi logo ao assunto:
Moço! A coisa num tá boa pu meu lado. Tô deveno o Seu Nonô e prumiti pagá ele adispois da ventania. E agora? Todo dia venta adispois dás 5 hora da talde. O Sinhôre sabe fazê pará de ventá?
O Seu Leôncio coçou a cabeça, olhos para o sol, a serra, para as árvores e:
- Óia Zé. Vô fazê isso só pro mode que ôcê é fio de um dos mióre amigo que já tive. O Francino. Se não...
O homem corria os ramos pra lá e pra cá, fazia as orações, e a passarada em alvoroço e depois de muita reza ele:
- Óia Zé. Tá feito. Durante 60 dia num vai ventá mais e adispois disso é concê.
O Seu Nonô ficou sem entender o porquê de tudo aquilo e não ventou naquele dia como o de costume mais. E ele dizia:
- Diacho! Comé queu vô recebê do Zé? Num ventô!
A frente de trabalho na região estava fraca e o Zé não conseguia um bico pra pagar o Seu Nonô e nem para as despesas da casa. Ele resolveu tomar uma decisão. Chamou a Izídia e:
- Muié! Vamo tê que mudá daqui. Num tô cunsiguino um imprego, os 60 dia sem ventania tá venceno e o Seu Nonô num vai me perduá. Vamos ajeitiá as coisa na carroça e cascá fora na boca da nôte. Se ele vê nóis ino imbora, meu Deus!
Assim o Zé de Calixto fez e mudaram. O tempo foi passando e quando passou dos sessenta dias, foi àquela ventania. Parecia que o mundo ia acabar. E o Seu Nonô com aquele sorriso na face, ia poder cobrar do Zé. Só que ao chegar à casa do Zé, cadê o homem? Aquilo foi desatino e logo ajeitou a espingarda, deu um tiro para alto e:
- Aquele surrupiadô das prefunda. Ele me paga ô eu cepo a cabeça dele.
Na região foi um alvoroço e todos com medo da tragédia. Só sei que o Zé de Calixto saiu ileso desta situação, mas, o Seu Nonô ficou no prejuízo.
O Raimundo do Bento e o Benedito ficaram quietinhos em seus cantinhos e receberam um convite do Zé para irem pescar lá onde ele mora atualmente. Tomara que perto deste outro Córrego não tenha outra Venda. A ventania continua no horário definido. O Seu Nonô chora todos os dias às 5 da tarde e diz:
- Nunca mais eu dêxo conta pa mode pagá adispois da ventania!
Coisas que acontecem nas margens do sertão. Sertão da magia e do mistério.
Inté!