Radioatividade
- Eu estava errada - admitiu serenamente a escritora Albertha Plundell, sentada diante de mim na sala de estar de sua residência londrina. - A eletricidade não é a responsável pelos fenômenos espiritualistas, como sustentei durante anos em meus livros.
- Isso é muito corajoso da sua parte, - comentei - tendo em vista que formou uma legião de fãs justamente por conta desta teoria. Não teme que ficarão revoltados com essa súbita revelação?
- Na verdade, não - redarguiu. - É que, com o avanço das descobertas científicas, tornou-se claro em minha mente que algo tão elementar como a eletricidade não poderia ser a resposta para todo e qualquer evento que consideramos milagroso.
- Nos seus primeiros livros, a eletricidade era tudo, menos "elementar" - ponderei. - Na verdade, era a verdadeira força que movia o mundo.
Albertha fez um aceno de cabeça.
- Sim, eu sei o que escrevi. Mas no novo romance que irei lançar brevemente, e para o qual peço a sua divulgação, os leitores serão informados de que "eletricidade" era apenas um termo conveniente para representar o verdadeiro princípio vital: a radioatividade.
- Oh - foi minha reação de surpresa. - Fala desse curioso fenômeno divulgado pelos Curie? Pedras que brilham no escuro e raios-X?
- Precisamente - admitiu Albertha. - A radioatividade, se analisarmos sua essência, é uma forma superior de eletricidade.
- Muito bem - redargui, me contendo para não perguntar onde ela conseguira aquela informação. Dos seus guias espirituais, certamente seria a resposta; Albertha Plundell não era Marie Curie.
- E creio que meu novo romance irá demonstrar que a radioatividade vai contribuir decisivamente para a melhoria das condições de vida da humanidade - afirmou ela.
- Por exemplo? - Indaguei.
- Aquecimento - redarguiu Albertha. - Teremos lareiras e caldeiras que usarão esta fonte inesgotável de energia, o rádio. Imagine: podermos nos livrar da lenha e do carvão, cuja queima contribui para piorar os efeitos do fog londrino.
- Isso seria realmente notável - tive que admitir. - Mas tem certeza de que o rádio é mesmo inesgotável?
- É claro que tenho - Albertha ergueu os sobrolhos, como se eu estivesse duvidando não dela, mas dos seus guias espirituais.
- Certo, certo - respondi em tom apaziguador. - Então, deseja que eu escreva um artigo anunciando a sua nova descoberta?
Albertha fez um gesto negativo.
- Não precisa tanto; se revelar do que se trata, as pessoas não comprarão meu livro. Basta dizer que a eletricidade, gerada por meios mecânicos, foi suplantada por uma nova força que trará conforto e conveniência à humanidade. Uma energia inesgotável que estará disponível a todos, diferentemente da eletricidade, que necessita de geradores, turbinas, postes e fios para se propagar.
- Uma energia revolucionária - sugeri.
- A energia que finalmente trará paz à humanidade - sentenciou Albertha.
- [21-10-2023]