OVERDOCE PAPAI NOEL ADEUS

Over doce, Papai Noel, adeus...

A manhã já estava no meio. O sol forte começou a esquentar as paredes de placas e concreto do prédio. As janelas dos quartos estavam fechadas e suavam com o choque da temperatura baixa provocada pelos aparelhos de ar condicionado e calor que fazia lá fora.

Na sala em cima do piano negro inúmeros porta-retratos espalhados aqui e ali, contavam através das fotos a história da família e seus respectivos momentos de glória e glamour.

Um casal no dia do matrimônio, a noiva em seu vestido branco de cetim e seu longo véu, através da luminosidade de seus olhos escuros transbordava alegria. Outra foto, uma mãe moreníssima abraçada com um casal de crianças na beira de uma praia. Uma menina loura dançando balé um menino em sua formatura de jardim de infância.

Silenciosa em cima da pequena arca estava a enorme árvore de Natal com suas luzes piscando sem parar.

O telefone não parava de tocar, parecia que ninguém tinha coragem de atender à tão insistente chamado.

Papai Noel voava feliz em seu trenó puxado por suas renas e cortava a estrada coberta de curvas e neve. Vinha cantarolando. De repente o lado esquerdo da paisagem parece que sofreu uma repentina avalanche, e a paisagem começou a se modificar rapidamente.

Sandro acabara de acordar e estava no quarto de sua mãe tentando acorda-la, fez de tudo, até que assustado, notou uma discreta fila de formigas que passeavam pela perna da moça. Ele foi até a cozinha onde encontrou Melissa que estava se servindo de água na geladeira. Tomou o copo da irmã foi até o quarto da mãe, jogou o conteúdo do copo no rosto da mãe na intenção de acordá-la. A gata Fiona deu um pulo e caiu em cima dos lábios de Isis e começou a lambê-la com muito carinho, no rosto, no pescoço, na curva da orelha, nos cabelos, foi ficando cansada até que repentinamente Sandro ouviu lá na sala onde estava sentado com a irmã assistindo ao costumeiro programa de domingo o miado estranho da gata e o barulho do abajur que acabava de cair espatifando-se no chão.

Era dezembro, faltavam poucos dias para o Natal. Isis tinha preparado uma surpresa para Jairo, seu marido, que estava viajando a serviço. Isis continuava sonhando. Estava numa estrada silenciosa. Fazia muito fio, nevava. Não sabia como podia agüentar tão baixa temperatura vestida como estava. De repente, na curva da estrada descendo a encosta vinha um trenó puxado por várias renas e alguém vestido de vermelho com uma longa barba se aproximava. Até que freou ao chega em frente a jovem. Alô! Acenou para Isis sorrindo gentilmente. O trenó estava coberto de embrulhos. Isis se admirou de ver Papai Noel ali a sua frente. Sorriu para ele meio intrigada. Ele falou-lhe: Feliz Natal! Estou com pressa, tenho muitas pessoas a visitar. Isis não teve tempo de perguntar se ele tinha recebido as cartinhas de Sandro e Melissa. Seguiu em frente à estrada cada vez mais silenciosa e deserta até que ela começou a escutar um coro de anjos longe a cantar e os sinos a bater.

Jairo enxugou as lágrimas com uma das mãos, estava realmente muito emocionado e impressionado com a grande surpresa que ela tinha preparado. Com a voz embargada ele ainda ensaiou dizer: - Adeus Papai Noel... Não conseguiu terminar, jogou o lençol por cima de Isis foi para a sala. As crianças tinham sido levadas por sua cunhada para dar uma volta e brincar no parquinho.

No Instituto os colegas que estavam de plantão comentavam:

- Uma estrada, Papai Noel, o trenó, as renas, mais adiante artisticamente desenhada em cima do telhado da catedral um grande sino pronto para badalar quando o visitante esperado entrasse na nave.

Isis tentava acordar do sonho e não conseguia, olhava aqueles homens ao redor de si, e nada compreendia. Usavam jalecos brancos e pareciam muito interessados em seu corpo. Reconheceu sua perna esquerda onde a tatuagem de hena com os detalhes de Papai Noel e seu trenó. A catedral e o lindo sino todo enfeitado com purpurina dourada, obra-prima de sua depiladora. Jairo teria uma enorme surpresa, pensava. Começaram a sentir mais frio, os médicos ficavam distantes, a paisagem se modificava ela não via mais nada apenas a fria noite escura silenciosa, nevando em seus cabelos, em suas entranhas, já não sentia a carícia excitante queimando em suas veias. Talvez outra dose. Onde estava a seringa? Tateava com os dedos procurando em baixo da cama. Precisava de outra dose para acordar.

Papai Noel, adeus... Murmurava, enquanto se arrastava na fria noite silenciosa coberta de neve a procura da estrela radiante, da igreja, do coro de anjos, na noite de Natal.

O corpo de Isis repousava na mesa do instituto, Jairo estava tratando dos detalhes do funeral sem esquecer da tatuagem que ela tinha feito na perna e a bela figura desenhada em seu púbis. Enxugou uma lágrima que teimava em cair. Lembrou-se de retirar as seringas que encontrara em baixo da cama. Uma sensação de vazio começava a invadi-lo. Parecia que estava num pesadelo e que não podia acordar, por mais que tentasse. A neve, o Natal, o nada, a estrada se acabava repentinamente. Eles não sabiam para onde ir, ficaram paradas por um bom tempo se olhando profundamente, as recordações de uma vida juntos repassavam lentamente.

Noite de Natal, a árvore estava acesa, os presentes estavam esperando para ser abertos, as crianças muito silenciosas, aguardavam, esperavam, na verdade, ainda tinham uma tênue esperança de que ela aparecesse a qualquer momento. A gata Fio na entrou correndo sala adentro, miando desesperadamente, fazendo-os acordar para a realidade, relembrar a cena em que Isis deitada era lambida por Fio na, enquanto uma fila de formigas subia por sua perna atravessando o abdômen, para atingir o braço direito.

Na tela da TV Papai Noel viajava em seu trenó acenando adeus.