VIVENDO DO MEU JEITO

 

Quando eu tinha aproximadamente 60 anos, via perambulando pelas ruas, um senhor de cabelos brancos e barba idem, calejado pelas suas andanças indiferentes, meio que erráticas, que nem as borboletas, sem saber para que lado fosse se deslocar – era um morador de rua, e não tinha um objetivo certo nas suas andanças, era um ser e o mundo, não queria trabalhar, nem estudar, mas sabia que fazia parte do mundo e que teria de continuar a sua vida, assim do seu jeito – e ainda continua.

 

Quando eu fiquei sabendo da sua idade que era 70 anos, fiquei impressionado, como um senhor daquela idade continuava andando pelas ruas, e até perecia saudável, comparado com a maioria de nós que acima dos 60 anos, somos os maiores frequentadores dos consultores médicos. Nem todos – e eu sou um dos nem todos.

 

Mas o tempo foi passando e eu cheguei aos 70 anos, com uma saúde muito boa – mas ele, o andarilho das ruas, continuava lá, seguindo aquelas curtas caminhadas, mais gordo, com um problema na perna, mas nada impedia as suas caminhadas solitárias, e apesar de sempre estar sem acesso a higiene básica que somos acostumados por sermos “normais” pelo fato de não sermos moradores das ruas.

 

Pois é... Ele parou muito próximo da minha casa, na frente de um bar e estava tomando a sua cachaça como se fosse para debochar da vida, quando eu o abordei para saber mais como ele vivia, porque escolhera aquela forma se relacionar com o mundo... – bem nem ele mesmo sabia o porquê, mas são coisas da vida – é acho que são mesmo da vida, pois a vida tem espaço para todos os tipos e ele é um tipo.

 

O

Adão de Souza, nascido em 31 de Setembro de 1931, possui 82 anos - é também conhecido como o vassourinha, pois ficava transpondo uma vasoura nas costas para varrer as calçadas da vizinhança – é...até ele tem um afazer, é a sua maneira de ajudar em manter o mundo mais limpo. – “e como o mundo tem sujeira”.

 

O Adão nasceu na cidade de São Francisco de Paula/RS - nunca estudou, e nem aprendeu a escrever o próprio nome, mas já trabalhou como distribuidor de leite e também na roça. Fez alguns trabalhos como ajudante de empreiteira, mas não durou muito e se dedicou mesmo a ser morador de rua – queria a sua liberdade, não sei se, do mundo ou das pessoas que o habitam. Mas queria ser livre, e tem muitas maneiras de ser livre e morador de rua, é uma delas.

 

Então, Adão, tu tens alguma história sobre este pequeno mundo vivido em torno e si mesmo e um pouco ressentido com o resto do mundo? Não ele não tinha muitas histórias a não a sua própria e simples história pela vida do seu jeito. E o Adão falando com uma boa memória onde se lembrava de nomes e datas.

 

Lembro-me, que tive uma namorada chamada Sônia que também vivia na rua como eu, mas já falecida. Ela tinha dois filhos, o Vinicius e o Fabiano, sendo que o Vinicius eu o “criei” – mas como um morador de rua pode criar alguém? É e foi como adotivo quando ele ainda era um bebê e hoje devem estar pelo mundo escolhendo as suas formas de enfrentá-lo. Consegui me aposentar após um amigo ter arrumado os meus papeis, pois eu já tinha idade para isso. A idade cansa e ficar sem fazer nada também cansa e tenho o meu salário para comprar a minha bebida, pois para comer e dormir no meu mundo é de graça.

 

 

De 80 aos 81 anos o Adão ficou recolhido no asilo público, não por sua opção, mas pela opção pública. Teve assistência medica e psicológica, mas não suportou a disciplina lá empregada, ou seja, uma vida como os seres humanos “normais” buscam, mas ele decidiu pela sua “liberdade” e voltou para a rua, dormindo onde fosse possível, tomar a sua caninha, pois ele o Vassourinha, sempre quis mesmo é viver livre e recolhido a si próprio, e ficar só observando, os demais passantes, estressados e com pressa - não de sei de que, mas, será que ele, os ditos “normais” vão chegar pelo menos aos 82 anos. O tempo dirá. Tomara que sim.

 

Neri Satter - março de 2013     CONTOS DO SCARAMOUCHE

 

 

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Enviado por Scaramouche em 16/10/2023
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