APARTANDO A BRIGA
Aconteceu na “quase” familiar Boate Sol Nascente.
O proprietário, Zé de Miro, homem corpulento, mais preto do que a consciência de Judas, dava um giro com a sua Kombi pintada de cor-de-rosa pelas cidades dos Estados fronteiriços e trazia para a pensão também “familiar” anexa à boate, as meninas que queriam se aventurar na esbórnia da vida fácil e todas eram apresentadas aos clientes como suas sobrinhas.
Aquelas mais bonitinhas, mais bem cuidadas e que ainda não apresentavam o aspecto decaído que a profissão impõe, eram alvo de leilões para acompanhar por determinado tempo aqueles afortunados que pudessem dar o maior lance.
Além dos habitantes locais, a boate era frequentada por moradores de localidades do entorno e por viajantes, principalmente aqueles que, por força da profissão são obrigados a varar o interior dos Estados para atendimento presencial aos clientes, exigentes em sua maioria.
Nessa época, todo vendedor viajante possuía um revolver como arma de defesa para qualquer eventualidade.
Era raro o uso dessas armas, mesmo porque aqueles que se dedicam à profissão, são pacíficos por natureza e resolvem quaisquer problemas na conversa amiga e direta.
Mas pode acontecer de surgir um “engraçadinho” qualquer querendo roubar e a arma serve exatamente para inibir tais condutas.
Geralmente a arma ficava oculta pelo paletó. Peça obrigatória para boa apresentação no contato com a clientela, ainda que lá fora, o sol estivesse de rachar pedra de calçamento.
Mas toda regra tem exceção e a mansidão, comum entre vendedores, não fazia parte da personalidade de Humberto que, em priscas eras havia sido lutador de artes marciais e sempre que havia oportunidade de defender os fracos e oprimidos, entrava na briga ao lado do que estivesse em desvantagem e o pau falava mais alto.
Nunca usou arma. Resolvia tudo na porrada de mãos limpas como define a palavra Karatê.
Eu tinha um revolver belíssimo. Um Smith & Wesson cromado de cano longo que, para não ficar dentro da mala junto com o mostruário que era apresentado aos clientes, eu portava no coldre debaixo do braço esquerdo de maneira tão discreta que raramente alguém o notava.
Estávamos eu e Humberto nessa cidade e, depois do jantar, antes de irmos para o hotel descansar, ele resolveu que deveríamos ir à boate de Zé de Miro, encontrar os amigos e saber as novas fofocas sobre os clientes.
Quem estava pagando bem ou quem corria risco de encerrar as atividades.
Eu recusei na hora, mas a insistência foi tanta que, mesmo vestido com o terno completo, fui obrigado a ceder.
Quando chegamos lá, fomos recebidos pelo proprietário com aquele sorriso das pessoas bem resolvidas e, ainda estávamos na saleta de entrada quando ouvimos o som da quebradeira de mesas e garrafas sendo atiradas por conta da briga que estava acontecendo.
Levado pelo instinto de defesa dos oprimidos, Humberto entrou no salão para participar da briga.
Não sei dizer o motivo da minha reação, mas saquei o revolver, vim para o salão e aos berros mandei parar a briga.
Todos viram que eu estava armado, porque a luz incidindo no cromado do revolver fazia ele parecer bem maior do que era.
Foi uma correria geral e a briga acabou na mesma hora...