PRESSÁGIOS
- Bom dia comadre. Acordou cedo, né?
- Espero que seja um bom dia, comadre Maria. Praticamente não dormi essa noite e como tinha esses panos para lavar, fui logo cedo para a beira do rio, mas não fiquei lá não...
- Óxente, aconteceu alguma coisa?
- A senhora não ouviu não, foi? Tem coisa pesada para acontecer e não está longe não. Essa noite toda a coruja cantou por cima das casas da minha rua. Tinha um cachorro uivando longe e o vento estava parado. Cheguei até a olhar pela janela para ver se via alguma coisa na rua, mas a lua estava encoberta e por causa da neblina não deu para ver nada além do facho de luz da pensão de Eusébio.
- Mas mulher, isso é normal nessa época...
- O que me deixou com a certeza de que tem alguma coisa para acontecer foi que não tinha nenhuma mariposa na luz e aí, quando foi agora de manhã que eu ia lavar a roupa, as emas da beira do açude estavam gemendo feito quem está com muita dor... rezei um crendeuspai e voltei em cima dos pés.
- Mas comadre, isso pode ser qualquer coisa. Não quer dizer que vai acontecer uma desgraça não mulher.
- Olhe, no outro ano, véspera da festa do senhor São José, teve uma ventania que chegou a arrancar as telhas e o acauã cantou o dia todo. A senhora se lembra disso? O ano passou sem cair uma gota de chuva. A gente só não morreu de sede por causa do carro pipa.
Quando foi no ano passado, perto da semana santa, as corujas danaram-se a cantar toda noite e o sino da igreja despencou lá de cima, quebrando o palanque armado para a missa da aleluia e só não matou gente porque o pessoal ainda estava na procissão e na rua só tinha Zé doido bestando pela praça longe da calçada.
- Bom dia comadre Maria, bom dia dona Tereza.
- Bom dia seu Barreto (disseram as duas em coro). Quando o senhor voltar, por favor me traga um molho grande de feijão verde que Vavá quer comer arrumadinho amanhã.
- Olhe comadre Maria, eu vou ver se consigo viu, porque pelos sinais dessa noite a coisa não vai ficar boa não... eu só saí de casa porque tenho que dar comida aos bichos que estão presos lá no sítio. Se eles estivessem soltos eu nem teria saído de casa.
- Tá vendo comadre Maria? Eu não disse a senhora, tenho certeza de que alguma coisa vai acontecer. Se seu Barreto que é homem vivido está com sobroço, é porque a coisa não é brincadeira não.
A natureza avisa aos cristãos quando vai acontecer alguma tragédia para a gente se proteger, para rezar e pedir proteção aos santos.
- Sebastião, meu neto filho de Belinha, só dormiu depois que Anunciada, minha mulher, acendeu a vela e rezou para o anjo da guarda dele. Agora de manhã, eu chamei Jeca para vir mais eu, mas ela não saiu de debaixo do fogão, que é o lugar que ela se esconde quando está com medo...
- Seu Barreto, comadre Tereza, isso é superstição. O povo inventa essas coisas para fazer medo nos outros. Pela fé de Cristo eu tenho a certeza de que não vai acontecer nada.
Ouviu-se uma explosão de rachar o mundo em dois. Tiros e carros em alta velocidade...
- Entrem aqui, logo, deixe a roupa no chão comadre...
Algumas horas depois, todo mundo ficou sabendo que o banco tinha sido assaltado por mais de dez bandidos. As frentes das casas da rua principal estavam cheias de marcas de bala. Uma mulher que estava varrendo a calçada da padaria, levou um tido de raspão na cabeça e o vigia do banco, que foi levado como refém, foi encontrado morto dentro do carro incendiado numa estrada fora da cidade.