O ESPECIAL CAFÉ DO LOBINHO
Nossa turma era constituída de mais ou menos 130 empregados, porém estavam lotados naquela Mina do Periquito, apenas uns 50 homens, entre motoristas, operadores de máquinas, ajudantes e apontadores das horas trabalhadas do maquinário.
Na referida Mina existia um britador de menor porte que a Vale mandou fazer. Os caminhões fora de estrada da Empresa Construtora Brasil que trabalhavam para a Vale possuíam no máximo a lotação de 35 toneladas, os tais Terex.
Na época, os caminhões só transportavam minérios hematita ou itabirito para esse britador. Naquela Mina, não se transportava com aqueles caminhões, nada de rejeitos.
O turnos eram feitos em doze horas, um de 6 às 18 horas e o outro de 18 às 6 horas, trabalhávamos a semana inteira nesse batente pesado, era muito puxado o trabalho de todos naquela época.
Só muito tempo depois, o Sindicato Rodoviário, após de tanta reivindicação conseguiu reduzir para seis horas de trabalho o batente dos funcionários e aí tiveram que dobrar o número de trabalhadores para dar conta de atender à Empresa Vale.
Todos gostavam de trabalhar na Empresa Construtora Brasil, pois ela nunca atrasou um dia de pagamento sequer. Pagava-se bem e rigorosamente em dia, mesmo porque se não o fizesse, não poderia prestar serviço na área da Vale. Os companheiros de trabalho eram absolutamente unidos, jamais houve sequer uma desavença entre eles. Os caminhões eram estacionados no pátio todos os dias às 11 horas na parada para o almoço que durava uma hora. Todos almoçavam tranquilos, ao meio dia pegavam seus caminhões e voltavam para o alto da serra para transportar o minério trazendo-o para o britador. Quando estava chovendo os caminhões ficavam no pátio parado, não se podia rodar com chuva, era proibido para evitar possíveis acidentes. As pistas de terra debaixo de chuva eram muito escorregadias, a aderência dos pneus muito largos dos “Fora de Estrada” (nomeação daqueles caminhões de grande porte) na pistas, se tornava quase impossível e os caminhões ficavam dançando pra lá e pra cá, então os acidentes poderiam acontecer; então para evitar isso, a Vale mandava todo mundo encostar-se ao pátio, ninguém saia pra rodar debaixo de chuva, fora isso, o pau quebrava, argumento usado pela turma dos trabalhadores. Próximo a este pátio de manobra, a Empresa Construtora Brasil, montou umas três tendas bem feitas com lonas muito resistentes, para abrigar da chuva os empregados que quisessem ficar fora das cabines dos caminhões.
Dentro das barracas foram postos vários bancos para o pessoal se assentar, local onde rolava um monte de casos e piadas que sempre terminava em horas intermináveis de risos. Quando surgiam os tais apelidos, e entre pilhérias e aborrecimentos daquele que fora apelidado, não havia jeito: apelou colou. Sempre foi assim, quando o sujeito se invocava e ficava bravo com a alcunha, não tinha jeito, o cara fica marcado pra sempre. O Zé Mineiro era mestre nisso, arranjava apelido para todo mundo, aqueles que apelavam, pronto, não conseguia se livrar de jeito nenhum. Como eu gostava de ler o tempo todo e por isso, sempre estava com um livro debaixo do braço, aproveitando as paradas para ficar dentro do caminhão lendo ou escrevendo, não ligava para o que eles diziam e acabavam perdendo a graça. Certo dia, eu estava lendo “Cadeira de Balanço” do Drummond, desci do caminhão debaixo duma garoa fininha e corri até ao barracão para tomar um cafezinho, quando o Zé Mineiro começou a me aporrinhar, aí moçada, chegou o intelectual. Minha gente, eu não sei o que esse cara tanto vê nessas porcarias de livros que anda lendo, acho que ele está trabalhando no lugar errado, não está?
O que vocês acham disso? Ninguém disse nada, então eu pedi um pedacinho de papel e uma caneta ao apontador e disse:
— Mineiro isso aqui é um presente para você, se não entender, é só procurar no Pai dos Burros, da Biblioteca Pública da cidade você encontrará, (aquele que menospreza e desdenha da literatura, seja ela de qual gênero for, pode ser tão analfabeto e tosco que em todos os livros que já li, ainda não encontrei nenhum adjetivo adequado para qualificá-lo) Entreguei a ele o pedaço de papel e ele realmente se perdeu e não conseguia entender o que eu havia escrito, então me disse:
— Mafabeto não, caraio eu não sou mafabeto
— Tá bom Mineiro, já entendi...
Saí da barraca e fui em sentido ao caminhão e ouvi quando os colegas pegaram no pé dele, pois é Mineiro, vai mexer com quem tá quieto é isso que dá e ele ficou mostrando o papel para um monte deles e não souberam explicá-lo. Só sei dizer que a partir daquele dia, o Zé Mineiro nunca mais me aborreceu com suas piadinhas idiotas.
O saudoso Lobinho, era um cara muito bom de papo e brincava o tempo inteiro com a turma, mas nunca passava dos limites e ao contrário de todos nós, levava de casa para o trabalho, sua marmita e seu café. Jamais comeu da comida que a Empresa mandava para todos e nem mesmo o café que chegava, ele tomava nem que fosse uma xícara. Sua comida era levada numa marmita térmica e seu café também era acondicionado numa garrafa térmica, ele chegava para trabalhar e pendurava sua bolsa numa estaca da esquina da lona de sustentação da barraca. Na hora do almoço retirava sua marmita e garrafa de café e almoçava junto a todos nós. Terminava, tomava um cafezinho, voltava a pendurar sua bolsa e voltava ao batente como todos. Certa feita, após descarregar o caminhão no britador, entrou na barraca para tomar seu café, nada! Haviam tomado todo o seu café e encheram a garrafa de água e a colocaram no lugar de sempre, quando o Lobinho foi beber o café, só tinha água no lugar. Virou a água no chão e alguns gaiatos de longe estavam rindo da brincadeira. O Lobinho não disse nada, deixou a bolsa no lugar subiu no estribo do caminhão e acelerou serra acima voltando normalmente ao trabalho. No outro dia, fizeram a mesma brincadeira sem graça, novamente o Lobinho pegou o caminhão e voltou para o batente.
No terceiro dia o Lobinho recolocou sua bolsa no lugar e os desavisados não viram que ele apenas fingiu tomar o café, mas na verdade não o fez na hora do almoço, foi atrás da tenda como sempre fazia e lavou bem sua colher e xícara recolocando-as na bolsa. Depois a pendurou no mesmo local e quando deu o horário, acelerou o caminhão e voltou ao trabalho, daí a uns quinze minutos mais ou menos, só vimos os quatro engraçadinhos que bebiam o café do Lobinho correr para o mato afora na maior caganeira que já tiveram na vida.
Um banheiro só, não dava conta de atender a todos e o jeito foi alguns correrem para o matagal abaixo para se aliviar.
Um deles foi parar até no hospital por causa da diarreia. Danaram a perguntar ao Lobinho o que ele tinha colocado naquele maldito café e o Lobinho rindo disse que não foi nada, foi apenas uma latinha de talco que despejou na garrafa. Daquele dia em diante, o Lobinho sempre perguntava:
— E aí pessoal, querem um pouco de café? Garanto que vocês vão gostar, ninguém dizia nada, só ficava o olhando com aquelas caras de retardados, mas o certo é que ninguém, nunca mais mexeu no café do Lobinho.