UMA ÉGUA, UM TECLADO E OUTRAS HISTÓRIAS.

Certo dia, bem de tardezinha, quase noite, apareceu no portão da minha casa, o Joaquim Ribeiro. Bateu palmas e saudando-me com um grande abraço, o convidei para entrar.

Veio nos visitar, já tinha mais de uns 10 ou 12 anos que não aparecia; e quando nos encontrávamos pela cidade dizia que a qualquer hora apareceria. Eu dizia:

— Sempre, que você quiser, sabe que será bem vindo à nossa casa, Quinca.

Entrou e fomos direto para o estúdio do Marcelo. Conversa vai, conversa vem, começamos a falar de música, pois esse era o papo que mais nos unia. Perguntei sobre suas meninas que são excelentes cantoras e soube que elas e o restante da família estavam todos bem. Marcelo perguntou sobre a antiga Banda Coimbráveis Sambistas criada por ele e ele disse que depois que os músicos da Banda se separaram, cada um buscou seu rumo na vida e nunca mais retornaram.

— É uma pena Quinca, estavam começando a se entrosar. Aquela parada que deram durante uns seis meses ou mais foi muito ruim, mas depois que retornaram poderiam, se ensaiassem bem ficar muito bons no que faziam. Ninguém nasce sabendo, para se aprender como se faz as coisas direito, é preciso muito ensaio, você mais do que ninguém sabe disso.

— Compreendo tudo isso Marcelo, mas para que isso aconteça é preciso boa vontade de todos e nem todo mundo é um lasca de um compositor como o seu pai e ficar o tempo todo só trabalhando como cover, não dá, não é?

— É Joaquim você tem razão.

— Pois é; e o mais foda mesmo é que tanto seu pai como eu; investimos muito, ele no Cadência Geral e eu na Banda Coimbráveis, mas os caras só queriam vadiar.

Hoje eu compreendo porque seu pai ficava puto com os caras do Grupo de vocês que só queriam saber de farrear nos botecos da vida. A maioria estava ali tocando só pra pegar as “muié” que apareciam dando mole e o pior que era a Banda quase toda, ninguém queria ter responsabilidade com nada. Para ensaiarem era a maior dificuldade, nesse caso tanto o Cadência, quanto a Coimbráveis tinha mesmo que terminar.

Me lembro que segundo o Ladoca, seu pai avisou ao Grupo que não deveriam participar de uma festa que não tinha nada a ver, pois tinham gravado aquele CD e que alguns componentes insistiam em se juntar com a Banda Coimbráveis que tinha mais de seis meses que não estavam tocando e nem mesmo ensaiando. Alguns caras do Cadência insistiam que participaria no concurso dos melhores do ano, promovido pela Heleninha. Acontece que, qual sentido faria um Grupo profissional se juntar a um bando de amadores para fazer aquele encontro? Segundo o Ladoca seu pai disse:

— Olha Ladoca vocês podem até ir, mas nem eu, nem o Marcelo e nem o Saulo vamos, pois isso é a maior burrada que farão, no entanto, cada um é dono de sua cabeça e maior de idade. A Banda Coimbráveis está inoperante há mais de seis meses e corre o risco de ficar em último lugar entre as quatro que vão disputar e mesmo que vocês ganhem o primeiro lugar, não farão vantagem alguma, pois acabaram de lançar um CD, então precisam preservar a imagem de vocês.

E disse mais, tanto eu, quanto meu filho e meu sobrinho Saulo não arredaremos o pé daqui, eles eu sei que se tornarão grandes profissionais, mas vocês agindo assim, eu tenho minhas dúvidas.

— Lembro-me bem desse dia Quinca, o velho foi taxativo, mas nenhum deles deu ouvido. Alguns se juntaram à sua Banda que já estava, como você sabe, há mais de seis meses sem tocar e foram participar da tal festa naquele sábado...

Cheguei com o cafezinho e entrei no assunto e disse:

— Pois é Quinca, ninguém ligou para o que eu disse e o resto você já sabe. Conseguiram a façanha de ficar em quarto lugar na disputa entre as quatro Bandas que estavam participando. Eram elas Apollos do Samba, Negritude Carimbada, Chocolatinhos Azuis e a Coimbráveis Sambistas.

No domingo à tardinha após aquele sábado, estava marcado um ensaio nosso, então aguardei que todos estivessem presentes e como se não soubesse de nada, perguntei como tinha sido a disputa entre as quatro Bandas. Todos abaixaram a cabeça, ninguém dizia nada. Insisti com a pergunta dirigindo-a individualmente a cada um, então fui direto ao falecido Airton:

— Ô Airton, você que é o mais falante de todos me diga qual a colocação em que vocês ficaram no tal encontro e ele disse embora constrangido; é maestro; foi exatamente como você disse, ficamos em quarto lugar, então eu disse, sabe por que ficaram em quarto lugar na competição?

— Não!

— Porque não tinham dez ou vinte disputando, vocês seriam o último lugar de qualquer jeito, mas pelo menos me deram a certeza do que eu estava procurando e esperando há muito tempo.

— É mesmo maestro e qual certeza é essa que você procurava, então eu disse:

— A partir desse momento, o Grupo Cadência Geral, está extinto, vocês estão livres para fazerem das suas vidas musicais o que bem entenderem, façam o que desejarem, só não usem a marca Cadência Geral para nada, pois ela foi criada por mim e está registrada. Aí todos resolveram falar ao mesmo tempo, maestro você só pode estar brincando, então eu disse:

— Vocês acham que estou brincando mesmo? Por que acham que nossa reunião está sendo aqui na varanda de cima, sem nem um instrumento colocado lá embaixo para ensaiarmos? Eu disse a vocês sobre a burrada que estavam fazendo, não disse?

E disse ainda que Saulo e Marcelo além de mim, não participaríamos daquela besteira, não pelas Bandas ali disputando, mas pelo Cadência que não poderia estar no meio, mas vocês preferiram agir como amadores, então esse amadorismo terminou aqui e agora. Todos estão livres da minha chatice porque o Cadência, apesar de começar a ficar super respeitado na cidade e região, terminou. Não quero mais me estressar com ninguém que não consegue entender a minha linguagem> Sempre ignoraram o que eu dizia e me achavam um chato, o que também não discordo que seja, então agora estão completamente livres. Todos eles fizeram de tudo para que eu desistisse da ideia, mas minha decisão já estava sendo pensada há muito tempo porque é como você disse Quinca, só queriam fazer fuzuê para pegar as mulheres que sempre deram em cima de nós.

— Rapaz a conversa foi desse Jeito, Mestre?

— Sim Quinca; foi exatamente como narrei aqui e disse ainda que todos eles iam trabalhar com qualquer coisa, menos com a música que tem que ser tratada com respeito e nunca como idiotice, farra e prostituição.

— Cara, parece que você rogou foi uma praga nos caras, ninguém seguiu em frente com a música, tem pedreiro, tem mecânico, tem vigilante, tem neguim trabalhando em supermercado e o falecido Airton, ao morrer trabalhava como motorista.

— Não Quinca, não foi praga, mas era o que estava para acontecer. Resultado: criei uma nova Banda e os meus meninos são os caras mais respeitados na cidade, cobram os cachês mais caros e estudam pra valer, além do estúdio que temos e muita gente de respeito vem gravar conosco. Músicos de BH, da Bahia e de outras localidades já estiveram gravando conosco e sempre é uma turma de respeito a exemplo do vocalista da Sporta Brasil, o Jesus que participou duas vezes do Programa Ídolos do SBT e Record e uma vez no The Voice da Rede Globo como você bem sabe. Sacou quando eu disse que a música e a arte têm que ser tratadas com respeito e não como prostituição?

— Saquei Mestre, puta que pariu e os componentes do Cadência hoje conseguem entender o que você dizia, mas agora é tarde, então só lhe resta bater palmas nos shows que vocês realizam.

— É isso mesmo Quinca, quem não sabe assar, queima os dedos, nossas avós sempre nos disseram, não é?

— É, Mestre, falta de aviso não foi.

— A Sporta Brasil está um pouco parada por aqui principalmente porque os idiotas dos prefeitos de Itabira acabaram com o carnaval da cidade, tínhamos um público de mais ou menos trinta mil pessoas na cidade e agora fizeram do carnaval essa coisa mequetrefe com bandinhas sem expressão nenhuma, pelos bairros da cidade tocando as tais marchinhas ou envolvendo essas músicas sem sentido algum que aparece aos montes pelo país afora.

— É virou uma merda, uma coisa lamentável.

— Pra fazer essa porcaria, preferimos não fazer. Mas, mudando de assunto, você me disse que tinha comprado um teclado e que estava tentando aprender a tocar, como você está indo com as teclas?

— Essa porra é muito difícil, desisti dessa merda e troquei aquele caralho numa égua.

E foi assim que rachando de rir conosco o Quinca se despediu e nunca mais apareceu no barraco.

Marçal Filho
Enviado por Marçal Filho em 21/09/2023
Reeditado em 25/01/2024
Código do texto: T7890879
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