UM POBRE PASSARINHO
Na época da frutificação sazonal e colheita da ata, fruta-do-conde ou fruta-pinha, aqui em minha região, as roças e beiras de cercas, que eram impregnadas dessas arvoretas de copa ramificada que ficavam então carregadas de frutos, eram bastante agradáveis. Muitas vezes, as pessoas consumiam as frutas in natura, ali mesmo junto àquelas plantas frutíferas, depois de colher. Já outros, preferiam manter o hábito de colher as frutas ainda “de vez” e meio verdosas, para colocá-las num madureiro, ali nas proximidades, na roça; para ali aquelas frutas acabarem de amadurecer.
Fruta doce e de sabor agradável, atraía um grande número de pássaros frugívoros, que ali se alimentavam das frutas desses arbustos. Desses passarinhos que consumiam as atas, destacava-se o vinvin, ou vim-vim, ou ainda, vem-vem ou fim-fim. Razão por que os meninos sertanejos da época o chamavam aqui também de “vinvin de ata” ou “vim-vim verdadeiro”. Ao se aproximar dos arvoredos, já se podia ouvir o canto bonito e melodioso desses passarinhos de bela plumagem, ali à procura das frutas; doces e saborosas atas maduras.
Goiabas, cajus e atas eram as frutas mais preferidas dos vinvins/vem-vem. As goiabeiras, mangueiras e cajueiros, assim como os pés de ata/fruta-pinha, principalmente, ficavam linda e maravilhosamente infestadas de casais desses pequenos e belos passarinhos, durante a safra natural dessas fruteiras.
Além de vinvins, ali também se podiam observar na época das frutas, vários pássaros de outras espécies também frugívoras, tais como sabiás, sanhaços, sofreus/corrupiões, pegas, cambacicas, bem-te-vis, entre outros.
Caçando com sua baladeira (estilingue) pelos campos de sua família, certa vez um garoto sertanejo, ao avistar de longe um passarinho da espécie vinvin se alimentando dentro de uma ata grande e madura, já completamente oca, teve ali de repente a ideia de, com sua mão, tapar a abertura feita naquela fruta pelos próprios pássaros. E assim poder capturá-lo. O menino, astuciosamente e com muito cuidado, pegou de surpresa o passarinho que estava ali distraído e entretido a se alimentar dentro da fruta. E, por isso, naquele dia nem foi preciso fazer uso de armadilhas, como alçapão, arapuca ou visgo.
Após a captura do pequeno passarinho, aquele menino, que queria prender e criar a avezinha numa gaiola dirigiu-se primeiramente à casa de sua madrinha e proprietária também daquela roça e dos pés de ata nela situados. E contando o feito e a história para ela, o menino assim falou:
“Olha, Madrinha, veja aqui esse bonito passarinho que eu peguei dentro de uma ata grande e oca, lá na roça da senhora; é um vim-vim verdadeiro!”.
Demonstrando um ar de tamanhas frieza e avareza, aquela dura senhora e madrinha do garoto, ironicamente disse-lhe: “Deixe-me ver aqui esse passarinho tão bonitinho!”.
Naquele momento, o menino aprisionador daquele passarinho indefeso, sem desconfiar o entregou para a sua madrinha, que demonstrando perversidade e crueldade, sem dó torceu-lhe o pescoço, o naturalmente frágil e mole pescoço do bichinho, e ainda dizia: “Você está destruindo e acabando com as minhas atas! Nunca mais você vai invadir minhas roças e estragar a minha safra de atas, seu passarinho atrevido!”.
E assim, aquela pobre e indefesa avezinha com certeza nunca mais voaria e nem pousaria naquela roça e não mais comeria as atas daquela impiedosa e cruel senhora, e nem também as atas de outros proprietários.
E o menino ficou ali muito triste; talvez arrependido por ter capturado aquele passarinho e entregá-lo para o carrasco, no caso a sua malvada madrinha, uma senhora que naquele dia praticara um ato de pura crueldade e desumanidade para com um pequeninho e indefeso passarinho.
Mas, naturalmente, eram dezenas e mais dezenas de passarinhos que ali pousavam e se alimentavam consumindo as muitas atas maduras da região; aquele não era o único. Pobre passarinho vim-vim verdadeiro!
Segundo informações, esse fato ocorreu há muito tempo, provavelmente entre os anos 30 e 40 do século passado.