Os contos inacabados
- Quem você pensa que é? - Questionou acidamente Alexander O'Phelan, agitando o meu manuscrito como se fosse atirá-lo ao fogo. - James Joyce?
- Não entendi - redargui, realmente surpreso. - Encontrou alguma obscenidade no que escrevi?
Estávamos tendo essa conversa nada promissora no escritório de O'Phelan, quinto andar de um edifício de tijolos vermelhos na rua Sackville, não muito distante da ponte O'Connell, centro de Dublin.
- Não estou falando de blasfêmias e obscenidades! - Retrucou o editor, recolocando o maço de papéis de volta à segurança da superfície da mesa. - Me refiro à falta de coerência desses contos. Não passou pela sua cabeça a ideia de dar um desfecho para cada um?
- Um desfecho... - murmurei aturdido.
- Sim! Desfecho! Conclusão! Algo que faça o leitor mediano concluir: "oh, veja, ele terminou a história".
Abri as mãos num gesto evasivo.
- Bem... não considero isso realmente necessário - ponderei. - Creio que os leitores podem ser inteligentes o suficiente para depreender o desfecho que pretendi dar para cada história.
O'Phelan me lançou um olhar torto.
- Você foi capaz de imaginar um fim? E por que não o escreveu então?
- Porque... ora, porque nem tudo é necessário que seja dito! - Repliquei. - Onde entra a imaginação do leitor?
- Provavelmente elaborando finais alternativos para aqueles que você não escreveu - sugeriu ironicamente O'Phelan.
Encarei-o pensativo.
- Parece que o que temos aqui é mais uma questão mercadológica do que um problema real - avaliei. - E acho que sei como podemos resolvê-lo.
- Sou todo ouvidos - afirmou o editor, recostando-se na cadeira.
- Podemos batizar o livro de "Coletânea Inacabada". Que tal?
Ele ficou mudo por alguns instantes. Finalmente perguntou, inclinando-se sobre a mesa:
- Espere aí... uma coletânea é uma seleção de trechos de várias obras. De quais obras você estaria extraindo essas passagens?
Dei de ombros.
- Dos livros que ainda vou escrever... desde que você me assegure um bom contrato e um adiantamento por cada um deles.
O'Phelan balançou lentamente a cabeça, parecendo finalmente ter captado a minha ideia.
- São doze contos, cada um sobre um tema diferente... vai ser mesmo capaz de me entregar doze livros? Em quanto tempo?
Ergui as palmas das mãos para ele.
- Depende da sua generosidade.
E consultando meu relógio de algibeira:
- Eu escrevo rápido.
- [15-08-2023]