OS "FOFOQUEIROS"
OS "FOFOQUEIROS"
O velho madrugara... carecia chegar cedo à Feira, o pessoal comprador rareava depois das 10 e meia, das 11 horas. Saiu ainda com grilos e sapos despedindo-se da noite quente; colhera o que o tempo lhe dera da minguada roça de milho, foi só o que deu pra plantar no ano e, agora, arreiava o burrico magro e lhe colocava sobre as costelas 3 sacas de belas espigas, as melhores, o "restolho" iria alimentar suas 3 galinhas e duas cabras "de leite". Saíra apressado, caminhara lesto mas deu azar: os 2 desocupados da fazendola vizinha, mera choupana mal ajambrada, já estavam de pé. De pé é modo de dizer... achavam-se acocorados, encostados à parede de estuque, xícaras de café ralo fumegando nas mãos. Avô e neto, dois inúteis morando isolados naquele fundão... acordados 5 e meia "da matina" !
O velho Francisvaldo tremeu, ía ouvir um bocado de provocações, de chistes incômodos, de troça cruel. A dupla vivia do que traziam da cidade seus parentes, a cada fim de semana e do que rendia ao idoso o idolatrado BPC, de tanta valia. Mal avistaram Francisvaldo, começaram as risotas espalhafatosas... e lá veio a primeira chacota:
-- "Ora, ora, lá vem seu "Valdo". Pena que não pode montar no burro, senão ele desmonta inteiro" !
-- E o menino segunda o avô, uns 6 ou 7 anos de insolência:
-- "Não monta porque é BURRO... se fizer uma carroça, vai nela com o milho" !
-- "Huumm, do jeito que 'tá a besta, só sendo muito besta pra se dar a esse trabalho. O jegue 'tá "morre, num morre" !, acrescenta o avô abusado, com Francisvaldo abaixando as abas do chapéu roto até o pescoço, irritado com a chalaça.
-- "E não é que é ! Ia acabar puxando ele a carroça, com o burro moribundo dentro" ! (E haja gargalhadas.)
Foi o que bastou para "seu Valdo" perder o dedal de paciência que guardava para tais ocasiões. Explodiu, irado:
-- "Não têm o que fazer, não ?! Procurem ocupação, seus INÚTEIS" !
-- "Olha aí... o "Matusalém" "queimou a mufa" !, gracejou o petiz.
O que mais irritava seu Valdo era o fato de o "aposentado" ter pouco mais que a idade dele e, mesmo assim, nada fazer de útil o ano todo, sequer capinava ao redor do casebre miserável, janelas sem pintura e o reboco das paredes desprendendo-se ano após ano. O que o ancião desbocado fazia com o valor do benefício ninguém sabia.
-- "Você me respeite, "zarolho", tenho mais idade que você" !
Ah, não... a lembrança de seu defeito de nascença doeu fundo em Francisvaldo e despertou nele rompantes de poeta, justo ele que gastava consideráveis somas em livretos de cordel.
-- "ZAROLHO é o "filho da puta" que te pariu... porque não arranjam um trabalho, em vez de espezinhar quem passa ?! Na próxima vez, "levam chumbo" !
A dupla percebeu que exagerara... fez um recuo:
-- "Que é isso, seu Valdo, não é pra tanto ! A gente estava só brincando, não é, meu neto" ?!
-- "É claro, vovô ! Seu Valdo acordou mal-humorado" !
-- "Muito bem, aceito suas desculpas esfarrapadas e tenho uma "quadrinha" para os dois palhaços:
-- "Zé Duda e Zé Migué... (*1)
um de ida, outro "de vinda",
entabularam conversa
e, essa, quase que não finda:
ZÉ DUDA... (e faz com as mãos fechadas, cotovelos dobrados, o clássico gesto de coito)
... NÃO P(h)ODE mais !
ZÉ MIGUÉ... (quase une o polegar e o indicador, se referindo a "tamanho")
... NÃO P(h)ODE ainda" !
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E com a mão fechada, indicador para baixo, sinaliza "broxura". Silêncio constrangedor das duas "hienas" sertanejas, desmoralizadas para sempre. Seu Valdo vai embora estrada a fora, gargalhando. Depois disso, a dupla passou a se esconder e só sai da palhoça quando o velho já vai longe !
"NATO" AZEVEDO (em 11/agosto 2023, 18hs)
OBS: (*1) - o conto nasceu de 3 ou 4 linhas de "causo" narrado por LEONARDO MOTA em seu livro "SERTÃO ALEGRE", findado com esta sextilha muito "sugestiva", obra de 1920/30.