O mão-de-vaca e a escova de dentes.
Chamam-me mão-de-vaca, muquirana, mão-fechada, avarento, somítico, pão-duro, sovina, unha-de-fome; dizem-me que não abro a mão nem para dar tchau; que sou pior do que o Tio Patinhas e o senhor Scrooge. Se eu fosse tão rico quanto a criatura do Barks, não reclamaria. Não sou, infelizmente. Infelizmente, porque, não tendo muito dinheiro no bolso, e menos ainda num banco, que seja em uma caixa-forte, menos posso economizar. Mão-de-vaca não sou, e nem muquirana, mão-fechada, avarento, somítico, pão-duro, sovina, unha-de-fome. Dão-me alcunhas pejorativas aquelas pessoas que querem me difamar. Sou parcimonioso. Não desperdiço sequer um centavo. Sou econômico. Meus hábitos, simples. Minha alimentação, frugal. Meu calcanhar-de-aquiles, doce de leite. Sei que não resisto a uma colherada do néctar que é o doce de leite, daí eu evitar comprar que seja um pote deste alimento dos deuses da Grécia. Se não resisto à tentação, compro um, pequeno, e me lambuzo com a guloseima, espécie de ambrósia, viciante, e não deixo de lambar o pote. Não sou de jogar fora o que quer que seja. Toda coisa tem a sua utilidade. E toda coisa que me chega às mãos eu a uso até quando der. Chinelo, por exemplo. Arrebentou-se-me uma tira do chinelo?! Ajeito-a com um prego. Prego enferrujado, torto; jamais com um prego novo. Rasgou-se-me os fundilhos da calça?! Remendo-a. Resta de um lápis o toco, só o toco, minúsculo, que não dá para se segurar?! Conecto no toco do lápis um pedaço de cano fino, curto, ou um de mangueira, também curto, e com ele escrevo até desaparecer o último grão de grafite. Dos pães, mando para o bucho todas as migalhas; e tenho o salutar, para os xarope coisa de gente mal educada, hábito de lamber pratos para não desperdiçar que seja um grão de arroz, uma gota de azeite de oliva, uma gota de vinagre, um grão de sal, um pedacinho minúsculo de orégano. E enrolo e pressiono e amasso o tubo de pasta de dentes até arrancar-lhe a última gota. E não desperdiço escovas de dentes. E foi, ontem, uma escova de dentes a causa de uma desavença minha com a minha mulher, que me viu com a minha escova, e berrou-me ao ouvido que eu a jogasse fora, enfurecendo-me. E por que fez a danada da mãe de meus três filhos, que de mim herdaram, para a felicidade da raça humana, a beleza, a inteligência e a parcimônia, tempestade em copo d'água?! Ora, só porque a escova de dentes, que é minha, tinha um, e só um, pêlo! E chamou-me mão-de-vaca a patroa! E eu não me vexei de lhe responder, alterado, na lata: "Mulher dos infernos, este único pêlo da escova tem-me utilidade: passo-o por entre os dentes, limpando-os assim." E a danada da filha da minha sogra, antes que eu pudesse dizer que a vaca foi pro brejo, tirou-me das mãos a escova e dela arrancou o pê-lo restante. Maldita mulher! Fez-me gastar uma nota preta com outra escova de dentes! Aquele pêlo da escova tinha vida para mais dois meses!