SAPUCAIA OROCA (O CANTA GALO)

Há algumas décadas na Região do Rio Madeira, entre os Municípios de Novo Aripuanã e Borba, existia uma Comunidade denominada de São João. Era uma Comunidade como todas da Zona Rural. Viviam do extrativismo vegetal e da agricultura de subsistência. Era um povo feliz. Sempre faziam festas regadas a bebidas e muita diversão.

Todos os anos no mês de junho realizavam o Festejo de São João. Levantavam o mastro e traziam os melhores músicos da região. Era a festa mais aguardada e os habitantes da Comunidade faziam todos os preparativos para realização do grande evento. Na véspera do Festejo, uma Senhora de idade de nome Francisca acordou assustada. Teve um sonho em que toda aquela Comunidade seria engolida para as profundezes da terra.

Logo pela manhã, antes de fazer o café, chamou seu neto Antônio e disse:

- Cuidado, Antônio! Presta bastante atenção nesse festejo. Algo de mau vai acontecer nessa festa!

Antônio meio assustado ficou olhando por alguns minutos e achou que sua avó estava caducando. No grande dia do Festejo os barcos e canoas atracavam no porto e eram saudados com fogos e cantos no ritmo de gambá. A alegria estava estampada no rosto de cada ribeirinho, mas Francisca e Antônio estavam desconfiados com aquele sonho que lhe tirava o sono. Quando a ladainha começou, Francisca chamou Antônio e disse:

- Antônio, vá lá na beira e ver se a nossa canoa está alagada! Muito barco atracou e talvez nossa canoa deve ter sido alagada!

- Tá bom! Mas deixe eu me divertir na festa! - Falou Antônio revoltado com sua avó.

No momento em que foi olhar sua canoa viu um rapaz bem-vestido sair próximo ao rio. Quando foi se aproximando abaixou a cabeça e não conheceu aquele visitante. Ficou curioso pelo fato de não haver nenhuma canoa e embarcação próximo de onde tinha surgido.

Assim que a ladainha terminou e os músicos preparavam seus instrumentos, Antônio foi até Francisca para falar sobre aquele estranho homem de roupa bonita.

- Vi um homem sair do rio, mas não vi nenhuma embarcação atracar! Acho que ele surgiu do fundo da água! - Disse Antônio assustado.

Sua avó ficou de olho em tudo, mas não viu aquele homem estranho que seu neto havia lhe dito. O forró bodó começou e o salão da festa ficou cheio, no entanto, as atenções ficaram voltadas ao homem simpático e bem-vestido.

Todas as moças ficaram de olho no rapaz. Pois, além de ser simpático dançava extremamente bem. Entretanto, gerou ciúmes dos outros homens, já que o rapaz estava sempre rodeado de mulheres. Já Francisca, percebeu que aquele rapaz era diferente e se lembrou de uma história contada por seu pai de um rapaz bonito, galanteador que encanta as mulheres e que se transformava em Cobra Grande, chamado Honorato.

Antes do galo cantar, Honorato tinha que sair daquele local pois sua transformação em homem seria desfeita. Honorato sabia disso, mas por conta da bebedeira acabou esquecendo. Quando Honorato foi passar entre uma cerca, um homem veio por trás e deu-lhe uma paulada em suas costas. Honorato caiu e em seguida dois homens lhe chutaram por conta de ciúmes.

- Você não deveria estar aqui, vagabundo, cortejando as mulheres dos outros! - Disse o homem que deu a paulada enraivecido.

- Se mande daqui vagabundo! - Disse um dos homens enfurecido lhe dando chutes e pontapés.

Ao observar a confusão, Francisca e Antônio foram ajudar o rapaz e logo em seguida ele pediu para ela e seu neto saírem da Comunidade e disse:

- Peguem sua canoa e fiquem distante dessa Comunidade! Não voltem! Ou irão ser engolidos pelo Rio Madeira.

- Você é Honorato? - Perguntou Francisca.

- Sim! Não volte antes do amanhecer. - Falou Honorato entristecido.

Francisca e seu neto, sem olhar para trás, pegaram algumas roupas e partiram a remo para o meio do rio. Quando o galo cantou pela terceira vez escutou-se um estrondo ensurdecedor e terras caindo engolindo toda Comunidade. Gritos e mais gritos de pessoas pedindo ajuda e um turbilhão de água engolia todos os ribeirinhos daquela vila.

- Meu Deus! O que está acontecendo? - Disse Francisca chorando sem parar.

- Calma vovó, vamos nos afastar e buscar a outra margem do rio. - Falou Antônio com a voz trêmula.

Os banzeiros ficaram enormes e os rebojos puxavam até o barco mais conservado. Com os olhos marejados de lagrimas Francisca abraçou seu neto e concretizou que não era um sonho, porém um pesadelo que estava vivenciando. Afastado do local viu pela última vez a Cobra Grande baixando o Rio Madeira.

Ao amanhecer Francisca e Antônio voltaram para o local da vila, no entanto, não encontraram uma alma viva, nem um objeto sequer de que ali existia uma Comunidade. Francisca e seu neto foram os únicos sobreviventes de São João e dizem que quando anoitece naquele local escutam-se músicas e barulhos de gente dançando, além de ouvir o galo cantar várias vezes antes do amanhecer.

Muitos falam que em vez de Honorato ter afundado aquela Vila, saiu daquele local sem fazer o mal! Mas que sua irmã gêmea - Maria Caninana -, com raiva, acabou destruindo a vida e a Vila de Sapucaia Oroca.

Gilmar Palheta
Enviado por Gilmar Palheta em 03/08/2023
Código do texto: T7852529
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