O enforcado
Todo bom mineiro que se preze já plantou uma árvore, toca violão ou tem sempre um canivete no bolso. Caso não tenha feito algum plantio ou não possua nenhum desses itens, certamente sabe contar umas ótimas histórias. No meu caso em particular, já plantei muitas árvores e tenho meu canivete.
Gostaria de partilhar um acontecimento lá na minha cidadezinha, no interior de Minas Gerais. Provavelmente onde o encardido perdeu as meias, pois as botas perdera alguma centena de quilômetros antes.
Havia naquela época, um cidadão imponente, com seus ternos caros de linho, seu relógio de bolso de ouro e anel de rubi. Enfim, demonstrava ser uma pessoa estudada, bem de vida, falava pouco, mas era cordial. Solteirão, e deixava entender não ter a intenção de constituir uma família, apesar das muitas pretensiosas donzelas. No entanto, como todo mistério, o da vida do sr. Marques fora revelado.
O alto falante da igreja anunciava o falecimento de um rico morador local. Para espanto de todos, pois dois dias antes outro senhor da mesma classe financeira, também cantou pra subir. E lá foi o seu Chico, coveiro, preparar morada para o novo inquilino. Depois de subir o enorme morro onde o cemitério ficava, quase morreu de susto. Ele se deparou com o sr. Marques e o Coronel Pedro Fontoura pendurados no portão de ferro. Nem quis saber de nada, desceu o morro correndo o mais rápido possível em direção à casa do Sargento Lagartixa, única autoridade policial do lugar. Cuja alcunha dado ao policial era devido a um problema involuntário de mexer a cabeça, como faz o pequeno lagarto.
Quando chegaram de volta ao cemitério, e depois de muito olhar, verificar, medir e imaginar, o Sargento Lagartixa chegou as seguintes conclusões: o sr. Marques era um ladrão de túmulos! O Coronel Pedro Fontoura estava em sua rigidez cadavérica e com as mãos cruzadas ao peito. A tarefa de retirar paletó, colete e camisa estava muito difícil para o ladrão de defuntos. Quando soltava um braço, o outro voltava para antiga posição. Já os sapatos de couro de crocodilo, meias de algodão e as calças foram fáceis de tirar do morto.
Segunda hipótese: o sr. Marques num lampejo teve uma ideia, e teria que ser rápido, pois ainda tinha que colocar o roubado e pelado de novo na cova, deixando tudo como estava antes. Então, com muito custo retirou uma das mangas do paletó e pendurou o Coronel no portão, preso por um dos braços enquanto tentava desdobrar o outro com o intuito de tirar por completo o paletó. Depois era só repetir as operações para despir o colete e a camisa do Coronel. Conseguiria um bom valor no terno vendendo numa cidade próxima. Acontece que nessse movimento, o braço do Coronel Pedro Fontoura, que estava preso, se soltou e prendeu o trapaceiro pelo pescoço. Em desespero, por mais que tentasse, ele não conseguia se livrar daquele braço enrijecido. Como no famoso golpe mata leão, ali também o larápio Marques viu sua vida esvair-se.
O Sargento Lagartixa, com autorização dos familiares, verificou alguns túmulos de pessoas ricas, e em todos, os infelizes estavam nus. Estava solucinado a origem da fortuna do misterioso Sr. Marques, a vida boa que levava era pelo comércio de roupas que fazia em várias cidades.
Que situação inusitada! O homem morreu enforcado pelo defunto!