QUAL É O PRÓXIMO ?!

QUAL É O PRÓXIMO ?! 

A cidadezinha era bem modesta, lá se íam os anos 50 no interior paulista, Jânio Quadros ainda estava professor de Matemática na capital -- publicou até livro, poucos sabem disso -- antes de começar a falar em "vassouras" e de "varrer a sujeira política" de nosso país. Passei uns dias lá, tempo suficiente para conhecer a sorveteria, o Cinema (um "pulgueiro", como diziam) e a pracinha, onde todos se reuniam tardezinha e as fofocas "batiam asas" e saíam "voando" pra boa parte das casas.

Embora sem Radioemissora e sem um só televisor, a cidade tinha Retreta, grupos de dança folclórica e animados Bingos de quinquilharias, onde o prêmio pouco importava, valia mais a reunião geral e a alegria proporcionada. O lugarejo tinha também um Cartório... mas o que fazia lá um Cartório de Ofícios e Notas, em local tão modesto ?! Dom Pedro II, em uma de suas viagens pelo interior, se hospedara na casa do tataravô do "seu Sinphronildo" e, agradecido, lhe outorgara o título de Tabelião, com plenos direitos.

"Seu Nildo" se acostumara com singelos Joãos, José, Luís e Mários como nome nas Certidões, além de Marias e outras Santas, até o amigo Guilhermínio casar e ter filhos, muitos deles, coisa comum naqueles tempos sem TV... isso virou até música "caipira". Sentado na pracinha, ouvi do próprio tabelião a estória toda:

-- "Ele veio numa manhã com a novidade... a parteira do lugar, benzedeira das boas, lhe dera um filho e sua esposa passava bem, estava de resguardo em sua casa. Queria registrá-lo: "vai se chamar VERSO" ! Respondi que esse nome não pode, há de prejudicar a criança ! Retrucou, exasperado:--

"Pode, PORQUE QUERO... o filho é meu" ! Não pude fazer nada... nem bem passou-se 1 ano e lá vem ele feliz, agora com um charuto fumegando. Bateu no balcão rispidamente:-- "Vai se chamar ESTROFE" ! Repliquei quase berrando: "esse nome não pode, não dá" ! --

"Pode, porque quero"... cuspindo o charuto e pondo a mãozarra no trabuco, na cintura. "Afinei", preenchi o documento de nascimento com as mãos a tremer, quase odiando a função herdada de meu pai e do avô. Amigo, o suplício repetiu-se umas 5 ou 6 vezes ! Veio a Poesia, depois o Soneto e o Estribilho. Argumentei, chacoteando: 

-- "Qual é o próximo ?! CONTO ou PROSA" ?! 

-- "Huumm, CONTO não é nada mau, PROSA é bem jeitosinha, mas acho PRÓXIMO mais sonante, mais cheio de si" ! 

Imagine você o meu pavor ao saber que a próxima (tossiu, engasgou-se) alminha a entrar neste insensato Mundo iria se chamar PRÓXIMA ou Próximo... e por minha culpa ! Implorei-lhe que esquecesse o "palpite", estava só brincando. O bruto ignorou qualquer argumento. A estas horas deve estar se preparando para fazer mais uma "CRÔNICA" ou um "DRAMA". Isso foi no ano passado; de lá para cá nem durmo direito só por imaginar o sujeito entrando no Cartório com outra "novidade". 

Acabou aí, na pracinha mal iluminada, o relato do pobre oficial cartorário, olhos marejados de emoção. Senti imensa vontade de rir, aquilo era engraçado, mas a educação que recebi e o respeito aos velhinhos me impediram. Ainda assim dormi mal, meu nome não é dos melhores e sei o quanto me custa "carregá-lo".

Voltei à Capital na manhã seguinte... a rotina dos antigos "lotações" ("jardineiras", na época) era a mesma de hoje: quem tinha bagagem fazia "fila paralela" para guardá-la no bagageiro; os que não tinham entravam direto no coletivo, apresentando o bilhete que era picotado ou mesmo rasgado completamente. O motorista, na porta, irritado com a demora e tendo que cumprir horário, falava cada vez mais alto: 

-- "Próximo, gente, por favor, entrem logo... PRÓÓÓXIMO" !

Era o que me faltava... a estória voltou inteira, agora sim, engraçadíssima. Controlei como pude a vontade de rir, as bochechas inchadas, ardendo, mas findei gargalhando tresloucadamente. 

-- "Tenho cara de palhaço, seu moço" ?!, indagou o "chofer", doido para me esganar. Os demais passageiros me olhando de soslaio, a cara condenatória "para o moço da cidade". Passei toda a viagem fingindo dormir e ouvindo desaforos de todos os lados. Pior: muita gente acha que a estória é mentira, "CAUSO" !   

"NATO" AZEVEDO (em 2/julho 2023,17hs)

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(ADENDO - apenas para o caso deste texto virar FILME, fiz este acréscimo. O jovem entra no ônibus sendo espezinhado, alguns até mudam de cadeira:)

-- "Respeite o motorista Onofre, mal-educado" !

-- "Onde já se viu tanto descaramento" ?!

-- "Veio fazer o quê, aqui, "traste" ?!

-- "Você é maluco, por acaso" ?!

Já sentado, uma velhota fecha seu leque e bate com ele na cabeça e nos braços do jovem:

-- "Isso é pra você aprender a respeitar nossa gente" !

-- "Boa, Matilde... no meu tempo de moço este pulha apanharia de relho"!, comenta um senhor de aspecto nordestino, chapéu de couro.

O ônibus parte, vai sumindo na tela e as vozes continuam "martelando" o rapaz, Abre-se quadro num canto da tela, apenas com o rosto dele em close, "olhando" acima do tubo da câmera e franzindo o cenho ou "torcendo" os olhos a cada frase:

-- "Devia ser jogado no mato, não cabe no nosso ônibus" !

-- "Trastes assim só enxovalham a cidade" !

-- "É mesmo... quebram tudo, sujam, mijam em qualquer lugar. Devia ser atirado no Rio das Piranhas, lá do alto da ponte" !

-- "ISSO... vou falar com o Onofre ! Se ele topar..." !

Congela a imagem do rosto, olhos esbugalhados tomando a tela inteira, com a palavra FIM sobre ele.

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OBS: o conto surgiu a partir de nota social no jornal DIÁRIO DO PARÁ (em 30/junho 2023, pag. B6) sobre um doutor cujo pai, também médico, teve 12 filhos. Reproduzo aqui no trecho final dela: (o doutor) "...é o mais moço dos irmãos Verso, Estrofe, Poesia e Pessoína, portanto Epílogo", etc. Como o citado médico se chama OSCAR, presumo que o tal "Epílogo" seja um chiste do colunista social. É o que se depreende !