UM JEITO DE SER E DE NÃO SER
Nilo e Delano são dois irmãos queridos por todos na Vila Jurandir. Ambos tinham suas peculiaridades: os dois eram tímidos, mas Nilo trazia uma seriedade no olhar e seu prazer era trabalhar para juntar dinheiro e comprar roupas, cuidar de suas criações de galinha. Já Delano, embora fosse reservado, tinha a necessidade de querer se destacar, tinha uma alma aflorada, uma vontade de sufocar a tristeza da alma por causa da falsa ideia de que só se é feliz quando se ignora a realidade dolorida da vida. A única coisa que os unia era a paixão pelo futebol.
Todos os dias, à tardinha, eles participavam de uma partida com os garotos da rua. Delano sabia armar as jogadas, fazia dribles desconcertantes. Seu irmão o aplaudia. O garoto realmente era bom de bola! Ele arrancava muitos suspiros das meninas.
Término do jogo. Da euforia da comemoração dos gols ao choro debaixo do chuveiro... Assim era Delano, trazia consigo uma tristeza que ele tentava em vão disfarçar. Havia perdido para a morte a pessoa que ele mais se inspirava, que ele era apegado e sempre a elogiava por se vestir tão bem: sua avó Maria.
Muitas vezes, ele se encontrava perdido nos pensamentos e com os olhos marejados. Era muita saudade! Lembrava com carinho que fazia tranças nos cabelos da avó. Dona Maria ria, gostava muito. O que não gostava era da brincadeira de Delano em querer maquiá-la. Era um chamego só com a avó!
Nilo também ficou também muito sentido com a partida da avó, mas como tinha a mente mais ocupada com o trabalho e ser uma pessoa menos entregue aos sentimentos, conseguiu superar.
Delano era mais caseiro, voltado aos afazeres domésticos e sempre ao lado da irmã Dara.
A mãe deles, Dona Faustina, sofria de epilepsia e por isso não podia cuidar da casa. O padastro deles chamava-se Tertuliano, um homem rígido que escravizava os jovens. Eles só saíam pra se divertir, jogar bola, ir ao cinema, ir numa festa de aniversário de um colega, só quando Tertuliano estava bêbado e caído no sono. Era uma vida difícil, muito trabalho e raros momentos de lazer. Só quem se achava no direito de se "divertir" era Tertuliano. Saía todo perfumado para cair nos braços da mulherada. Péssimo marido que desprezava a esposa doente.
Mas Dara tentava "cortar as asas" do pai. E já levou, por isso,muitos tapas!
Nilo, sempre quando via essas cenas de violência, enfrentava o pai com firmeza nas palavras e lhe dava um empurrão.
Delano chorava de soluçar, um amontoado de tristeza tomava seu coração: a perda da avó, a doença da mãe, a ausência do pai biológico que sumiu no mundo quando ele e os irmãos eram bem crianças. Dona Faustina, sempre quando os filhos lhe perguntavam sobre o paradeiro do pai, dizia que pouco ele conversou e foi embora com amigos numa missão de trabalho no interior do Brasil, uma promessa de uma grande indústria que chegou a ser noticiada no jornal, mas que nunca se concretizou. Dona Faustina se viu sozinha e com os filhos menores. Tertuliano chegou em sua vida como um anjo, mas depois se transformou em anjo malvado. Delano foi o filho mais sofredor pois tinha uma alma muito sensível. Tinha muita pena da mãe e tinha vergonha do gênero masculino por causa do padrasto. A beleza atmosférica feminina foi aos poucos libertando sua alma. Queria ser forte como as mulheres e sem também perder a elegância de sua avó Maria.
Numa tarde bonita de sol ameno do Outono, enquanto o padrasto tinha ido dar suas escapulidas, Delano fez da calçada do quintal da casa uma passarela. Aproveitou que Dara estava descansando das tarefas domésticas e conversando com as amigas do colégio para fazer uma homenagem a sua avó. O rapazinho desfilou de vestido, o vestido de cetim preferido de sua avó, que ele pegou pra si e não deixou que fosse queimado.
Dara e as amigas se emocionaram com o carinho do neto pela avó. Delano foi crescendo e se aproximando mais do ser mulher. Alma sensível e corpo dolorido pelas surras do padrasto e os xingamentos do irmão. Delano dizia que fazer um curso de enfermagem para cuidar das pessoas, cuidar principalmente de sua mãe. Cuidar, este era o verbo que Delano acreditava que o bicho homem não sabia conjugar, tinha péssimos exemplos: o pai ( que trocou a família pelo dinheiro), o padrasto ( mulherengo, brigão, ignorante e que usa as mulheres) e o irmão ( frio, distante, cabeça só no trabalho, como o pai ).
Delano, aos 19 anos de idade, deu seu " grito de independência". Foi o primeiro a sair de casa, mas antes ainda se desentendeu com sua tia que pedia para o jovem parar de rebeldia. Delano disse que a culpa por ele ser desse jeito era do padrasto. Um jeito de ser que ele não se envergonhava, pelo menos era o que aparentava.
Delano trabalhou, juntou dinheiro, mas não pôde pegar a mãe pra cuidar. Foi proibido ! O desprezo, a proibição tornaram-se uma constante na vida de Delano. A família o deixou de lado. Nunca mais quiseram saber dele. Dona Faustina foi impedida de se encontrar com o filho. Ela, por conta disso, teve depressão. Dona Faustina morreu. Dara e Nilo, nessa altura, estavam casados. Delano, depois de uns cinco anos, encontra Dara. Esta é ( depois da mãe, é claro! ) a única pessoa da família que Delano se dá bem. Ele traz presentes para os sobrinhos, que já observam desconfiados, mas logo ficam entretidos com os carrinhos de fricção.
Delano amou reencontrar a irmã e ficou encantado com as crianças. Mas com o cunhado Anselmo não se deu bem. Ficou com pena da irmã, casada com um homem encostado, bêbado e ignorante. Delano tomou nojo, e "levantou voo" novamente.
Delano foi embora sem dizer para onde ia.
Depois de quinze anos reencontra a irmã nas redes sociais e lhe conta tudo o que passou na vida desde a última vez que se viram. As lágrimas de Delano molham o teclado do notebook. Ele casou, depois a pessoa o deixou, o trocou por uma jovem da mesma idade. Delano se revoltou, praguejou o rapaz, o chamou de aproveitador, dizendo que o tinha tirado da lama e que agora que estava bem achou melhor ir embora. O rapaz, tempos depois , abandonou a mulher com dois filhos pequenos. Delano, que era muito sensível, se entristeceu demais: quis obrigar uma pessoa a estar casado com ele e, por fim, foi o responsável por destruir uma família.
( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima )