É O BICHO!
Duas jovens italianas passam as férias na capital do Rio de Janeiro. Após conhecerem pontos turísticos famosos foram à cidade de Paraty, litoral sul do Estado. Por sua beleza, seu patrimônio histórico, seus eventos culturais não podiam deixar este recanto do interior sem uma rápida visita.
Entre tantas atrações queriam mesmo era ver in loco, as comunidades fundadoras do lugar. Era dezembro, mês de festividades religiosas que unem os quilombolas aos caiçaras. As mocinhas estavam estudando antropologia em Milão e queriam pesquisar para um Estudo de Caso para conclusão do curso universitário. Queriam mesmo que a viagem não fosse apenas lazer “em um país tropical abençoado por Deus”.
Chegaram à noite e o centro urbano com seu casario colonial tornava a arquitetura antiga um lugar de sonhos e devaneios. Colocaram suas mochilas na pousada e, saíram para o agito noturno. Foi tudo divertido e logo se enturmaram com um grupo que dançava e cantava em uma praça onde se ouvia música do folclore local. Depois foram visitar as Igrejas com iluminação colorida.
Para dar continuidade à pesquisa queriam investigar as lendas regionais e a razão do sobrenatural rondar a cidade desde à sua fundação. Os paratienses entrevistados falaram da festa do Divino (séc. XVIII) que as lendas eram ligadas à tradição católica. Que o sincretismo religioso atraiu os negros escravos e mesmo, os indígenas, que habitavam a região. Uma das pessoas se animou quando perguntaram o significado do nome da cidade dizendo que os crédulos contavam uma estória de um diálogo entre Deus e o Diabo que queria saber o seu lugar na Terra. Deus respondia: “Será um lugarzinho no mapa – É PARA TI”. Dizem que é por isso que o aguardente aqui é bom! Todos caíram na risada quando olharam a cara de espanto das italianinhas. Uma das pessoas do grupo fez questão de mostrar que era um chiste e que o nome da cidade não tinha nada a ver nem com Deus e nem com o Diabo. Parati tem origem indígena e significa “peixe do rio” ou “viveiro de peixes” Que a influência do povo era tanta que mantinham suas tradições através do artesanato, culinária, danças e folguedos. E que estes agrupamentos lideravam a defesa da preservação ecológica da região cercada pela Mata Atlântica.
Elas insistiram em sondar sobre o conteúdo sobrenatural contido nas lendas que envolviam os ouvintes em mistérios e magia. Uma das hipóteses é que faziam parte da herança católica portuguesa, desejosa de manter os escravos presos às superstições, evitando a fuga em massa das fazendas para os quilombos e reservas indígenas que acolhiam os escravos vindos das fazendas. Eram frequentes no passado colonial, mas ainda faziam parte do folclore local e mantinham a atmosfera mágica que todos sentiam ao conhecer Paraty.
Com o passar dos dias ficaram envolvidas por aquele pedaço de chão, e se animaram para visitar os espaços habitados pelas etnias: o Quilombo de Campinho e o Parque Ecológico de Paraty- Mirim, onde fica a reserva indígena. Não deixariam de visitar Trindade, a região que junta Mata Atlântica que desce da serra de Bocaina e chega até ao mar da baia de Paraty.
Recolheram muitos depoimentos de lideranças quilombolas e rumaram para o povoado indígena. Foi por lá que todos souberam que uma jaguatirica rondava Paraty, que as autoridades estavam de sobreaviso, mas que não avisaram ninguém para não causar pânico à população. Talvez ela não atacasse, mas era melhor que todos voltassem o mais rápido possível às suas casas. Saíram apressados e quando já estavam na estrada, notaram que as italianinhas não estavam dentro do ônibus. O motorista achou um recado que iam até Trindade. A turma decidiu telefonar à polícia e pedir ajuda na reserva indígena.
Enquanto isso, as moças estavam deslumbradas tirando fotos e colhendo flores nativas. Foi nesse ambiente ensolarado e silencioso que viram um animal de médio porte se aproximar, parar e ficar de olho nelas. Ficaram imóveis e esta intuição as salvou. A onça pintada não fez ruído algum, deu a volta e se enfiou na mata. Elas não ousaram sair de lá, subiram nas pedras na orla da praia e telefonaram pedindo socorro.
Felizmente foi apenas um susto apavorante que deve ter sido parecido com os fantasmas das lendas sobrenaturais. Depois ficaram aliviadas e gostaram, pois a onça ia dar um toque tropical ao seu Estudo de Caso. A viagem delas ficou famosa na Itália, mas em Paraty agora tinham um “causo” recente para continuar assustando visitantes e moradores.
Porém um paratiense chato, que gostava de contestar todo mundo, se sentindo o sabichão, acabou encontrando na internet um Mix de Causo da Onça de Rolando Boldrin, afirmando que todo mentiroso tem uma estória de onça para contar. Assim ficou o dito pelo não-dito, e como mentira tem perna curta, este “causo” foi abafado e não virou lenda.