AVALANCHE NOS ALPES
- O senhor viu a notícia, seu Olegário? Teve uma avalanche de neve lá na Suíça que quase mata todo mundo.
- Vi e não achei esses balaios todos não.
Avalanche de verdade por lá eu presenciei numa viagem que fiz com um amigo meu quando ele quis comprar as cabras da raça Saanen para melhorar o plantel dele e me pediu para ir com ele escolher as melhores, porque eu quando bato o olho, sei se o bicho é bom ou não.
- Então me conte como foi isso seu Olegário.
- Só depois de tomar cerveja, porque minha goela está estalando feito cacho seco de mamona.
Por causa dessa secura do tempo eu já gastei quase um galão de colírio nos olhos.
Nesse verão, se Deus quiser, a gente vai virar bacalhau seco.
- Eu trouxe logo duas que é para poder escutar a história sem precisar me levantar.
- Você é um bom menino. Gosta de ouvir minhas aventuras e não duvida delas.
- Deuzulivre de eu duvidar de um homem que nem o senhor, seu Olegário.
Esses cabelos brancos são testemunhas de que é tudo verdade...
- Marcolino, eu ainda estou aqui, viu? (Disse Tota Medrado levantando-se de detrás do balcão.)
- Ôxe seu Tota. Seu Olegário gosta de prosear mais eu, né não seu Olegário.
- Gosto, gosto muito e Tota Medrado sabe disso. (e em tom conciliador )O que ele quer é que você não descuide dos outros fregueses...
- Mas conte, seu Olegário. Como foi o caso da avalanche.
- Foi assim.
Nos avisaram que um criador das cabras que a gente estava procurando, morava numa fazenda num canto retirado, muito alto e que a gente tinha que subir de trem e depois de teleférico para poder chegar lá.
- Teleférico é daqueles bondinhos que andam se balançando pregados no fio?
– Isso mesmo.
A negociação tinha sido feita por telefone, estava tudo acertado, mas eu disse que o pagamento só seria feito depois que eu visse os animais, porque esse pessoal do estrangeiro pensa que a gente daqui é um bando de bocó que não entende das coisas e poderia mandar o que tivesse de pior na criação dele.
Aí, da capital da Suíça fomos de trem até uma cidadezinha no pé da montanha, de lá pegamos o primeiro teleférico que deixou a gente na estação do meio do caminho e para chegar ao nosso destino, tínhamos que pegar outro, menor, porque tinha que atravessar para o outro lugar bem mais alto com distância de seiscentos metros entre as estações e altura de mais de quilômetro.
Quando meu amigo viu o tamanho do buraco que íamos atravessar naquela gaiolinha de nada disse, eu não vou não Olegário que esse troço pode cair.
Aí eu disse a ele, deixe de ser um cabra frouxo, rapá quem já viu homem do seu tamanho ter medo de altura?
Ele entrou no bondinho de olho fechado e só abriu quando no meio do caminho deu um tranco bem grande e parou, porque a estação que a gente ia desembarcar tinha sido levada pela avalanche que estava descendo a montanha arrastando tudo que encontrava pelo caminho.
Era pedaço gelo maior do que este salão.
Os cabos se partiram e foram levados pelo gelo, só não partiu o cabo mestre que estava sustentando o bondinho, porque ele estava ancorado num ponto bem mais alto do que o lugar que a neve começou a descer.
O vento forte como diacho e a gente parecia que estava num desses balanços de festa de rua, se sacudindo para lá e para cá. Meu amigo se mijou todo de medo, então eu decidi resolver o problema.
Passei para cima do telhado e com as luvas que achei na caixa de ferramentas, fui puxando o bondinho para cima.
Aí meu amigo disse: Olegário você está doido, puxe esse bonde para baixo.
Aí eu disse a ele, não senhor. Nós chegamos até aqui e não vai ser por causa de uma avalanche qualquer que vamos deixar de examinar a mercadoria, porque quando eu começo um serviço só sossego depois que está terminado por cima de pau e pedra e agora é por cima do gelo.
Chegamos lá, vimos as cabras que eram realmente muito boas e ficamos esperando que o governo consertasse a linha do bondinho.
Fizemos uma grande amizade com seu Jean um galegão forte e brincalhão que gostou tanto da gente que nem queria deixar a gente voltar.
Passamos uma semana por lá esperando pelo conserto do bondinho, ajudando a cuidar da fazenda e, aproveitando a oportunidade, eu aprendi a fazer queijo suíço...
- Oh seu Olegário, e como é que se faz aqueles buracos dentro do queijo?
- Marcolino! Tem freguês lhe esperando...