ACONTECEU EM MACHU PICCHO

Aproveitando-se da ausência de Tota Medrado, Marcolino perguntou a seu Olegário sobre o casaco de pele de alpaca que ele ganhara na visita ao Perú, como recompensa pelo sangue frio diante da tragédia iminente.

- Isso foi tão desesperador que eu até fiz questão de não contar para ninguém, mas meu amigo Tibério não atendeu a meu pedido e contou para todo mundo.

- Quem falou nisso ontem foi seu Mané Fagundes. Ele tem muita admiração pelo senhor.

- É, a admiração e a amizade que temos um pelo outro, é coisa de irmão.

- Mas me conte seu Olegário, como foi isso, porque seu Mané Fagundes só disse que o senhor tinha salvado a mulher de um colega seu de morrer esbagaçada nas pedras.

- Está bom. Vou lhe contar.

Meu amigo Tibério Santos montou uma empresa de construção de grande porte e me chamou para ser o capataz na obra que tinha sido deixada pela metade, porque a empresa que tinha vencido a concorrência, não conseguia fazer a peonada lá do Perú trabalhar em ritmo acelerado.

Tibério me conhecia de longas datas e sabia que eu sei ser exigente para dar conta do recado, mas sem maltratar ninguém. Meu primeiro trabalho foi fazer amizade com os chefes das turmas e assim, na maior tranquilidade, concluímos a obra dentro do prazo exigido pelo contrato.

Eu estava doido para voltar para casa, não queria mais coisa nenhuma, mas para não fazer desfeita à esposa do meu amigo que insistiu demais para eu ir com eles, concordei em ir visitar a cidade dos incas, Macho Piccho que fica no alto de uma montanha muito longe do lugar em que estávamos.

Tivemos que ir de avião, depois de trem e depois numa marinete toda enfeitada para poder chegar lá.

Gente como todos os diabos de toda parte do mundo a andar pelo meio daquelas pedras trabalhadas por gente que sabia fazer o serviço como deve ser feito.

Mesmo estando no verão, o lugar é frio demais e por conta disso, dona Cremilda, mulher do meu amigo Tibério, comprou um poncho, que é uma espécie de lençol com buraco no meio, para o cabra se enrolar e andar com ele para todo lado.

Atrás do guia, anda pra qui, anda pra acolá, vê essa pedra, vê essa outra pedra, o povo se acotovelando para chegar mais perto e o vento soprando.

Num pé de vento mais forte, o diacho do poncho de dona Cremilda enfunou feito bandeira hasteada e ela perdeu o equilíbrio.

O que vale é que eu estava por perto e antes que ela se esborrachasse nas pedras do fundo do precipício com mais de trezentos metros de altura, eu que a vida toda corri vaquejada, quando ela foi passando por mim, enrolei a mão no cabelão dela e puxei ela de volta para lugar seguro.

Pelo susto, o pessoal que estava em volta não parava de dizer valha-me Deus, minha Nossa Senhora, sangue de Cristo tem poder...

Aí o guia me fez um monte de elogios e meu amigo Tibério, em agradecimento, me deu de presente um casaco de pele de alpaca que é um bichinho que tem lã parecida com carneiro, mais que é caro como todos os diabos.

- E o senhor ainda tem esse casaco, seu Olegário.

- Ôxe! Não tenho não, porque como é que eu posso usar um casaco de pele com lã nesse calor desesperado que faz por aqui? Dei ele de presente para um amigo meu lá do Rio Grande do Sul...

GLOSSÁRIO

Marinete = micro-ônibus antigo