CORRIDA DE CAMELO
Já no finzinho da tarde, quando a claridade do dia se esconde atrás do negrume das noites sem lua e as sombras desaparecem, seu Olegário, sentado à mesa favorita, contava a Marcolino mais uma das suas aventuras.
- Meu amigo Manoel Fagundes não inventou essa história não.
Realmente aconteceu.
Foi na época em que eu estava trabalhando na siderúrgica Barbará que produzia os melhores canos de ferro do mundo, tanto para água como para esgoto.
O presidente da Líbia daquela época mandou uma comitiva para cá, para comprar os canos que ia usar no sistema de irrigação que ele estava querendo implantar para acabar com a dependência do país dele no abastecimento de comida para a população.
Tinha que ser cano de ferro, porque de plástico não ia aguentar o calorão do deserto.
Era uma compra grande que ia encher uns três navios e eu fui designado pelo diretor da companhia para fazer a negociação, porque o homem era velhaco, sabia envolver qualquer um para ficar do lado dele e ele ficar na vantagem. Discutimos o acordo por mais de uma semana, finalmente fechamos o negócio com lucro livre de 30% para a companhia.
Nessa conversa que tivemos, fez nascer além da confiança uma grande amizade entre nós e ele me convidou para conhecer a terra dele, ver como o povo de lá se divertia no dia da festa da independência.
Eu agradeci, mas disse que não podia ir tanto por conta dos negócios como por conta da despesa que ia ser muito grande.
Aí ele disse, quanto a isso nem se preocupe porque o senhor vai ser convidado especial do governo e não vai precisar gastar nada. Só vai precisar levar seus óculos escuros porque lá é o Saara e se o cabra não proteger os olhos, fica cego por causa da luz do sol e da secura do tempo.
Acertamos tudo e quando cheguei lá parecia que era um príncipe que tinha chegado, tapete vermelho, o embaixador, só tinha gente importante para me receber.
Fiquei hospedado num hotel que tinha coisas de ouro por todo lado. No dia da comemoração, fiquei no palanque com o presidente deles, sujeito muito simpático e agradável, pena que não sabia falar direito o português nem eu sabia falar árabe e, sabe como é, conversar com intérprete é coisa perigosa porque ele pode dizer coisas que a gente não disse. Né não?
No meio da comemoração tinha a corrida de camelo, daqueles que tem só uma cacunda no lombo.
Eu disse que não sabia andar naquele bicho, mas aí o meu amigo disse, olhe Olegário, quem monta num jegue monta num camelo porque é tudo bicho bruto.
Aí eu montei.
Dei umas voltas, mas como o bicho era acostumado a correr nas competições, me levou para a pista e quando deram a partida ele danou-se na carreira. Aí, já que eu estava no páreo, danei-lhe as esporas e passamos na frente de todos outros. Mesmo sem querer cheguei em primeiro lugar.
Aí me deram a bandeira do país deles para eu desfilar.
Aí eu disse ao chefe da corrida que eu só levaria a bandeira deles se tivesse uma do mesmo tamanho da minha terra para eu levar as duas juntas. Aí arranjaram uma bandeira do Brasil e eu desfilei com os outros corredores e recebi o prêmio, que era parte em dinheiro e uma taça.
Como eu estava sendo custeado pelo governo, fiz questão de deixar o dinheiro para as obras de caridade de lá e trouxe a taça que deve estar no meio daquelas tralhas desarrumadas no depósito da fazenda que, no dia em que Zarolho arrumar aquela bagunça, ele perde as duas mãos...
- E seu Mané Fagundes já viu essa taça, seu Olegário?
- Acho que não meu filho, mas conhece a história dela, porque faz um tempão que eu contei a ele, e como é tabelião, ele tem memória boa, não se esquece das coisas não...
GLOSSÁRIO
Camelo com uma corcova = camelo árabe, Camelus dromedarius
Siderúrgica Barbará = Metalúrgica Barbará, hoje Saint-Gobain Canalização