Para que comais e bebais à minha mesa

Era uma manhã de verão no Alabama e o restaurante, conhecido por servir um dos melhores churrascos da região, havia aberto as portas fazia pouco. Na calçada, três adolescentes negros olharam de relance para o interior, ainda vazio.

- Não chegou ninguém - disse Leon de forma retórica.

- Você já entrou aí alguma vez? - Questionou Jay em tom de desafio para Joshua, o mais novo do grupo.

- É claro que entrei - afirmou indignado. - Não é um restaurante só para brancos, nunca foi. A mãe de Eunice Brown trabalha aí, ela é garçonete.

Jay abriu um sorriso irônico.

- Não sei se reparou, mas todas as garçonetes desse lugar são negras.

Leon ergueu a mão para interromper a discussão.

- Todo mundo sabe disso. O que não dá, é ser atendido da mesma forma que um branco, não importa quantas vezes já esteve lá dentro.

Joshua tirou um recorte de jornal do bolso.

- Agora dá. Azar de vocês se não lêem jornal.

Exibiu a notícia. O texto dizia que o presidente Lyndon Johnson havia promulgado a Lei dos Direitos Civis, e que esta entrara em vigor em todo o país.

- Pois então, senhor Direitos Civis, quero ver você entrar e se sentar para comer como se fosse um branco - provocou Jay.

- Quanto quer apostar? - Inquiriu Joshua, braços cruzados.

Jay exibiu uma nota de um dólar, que foi encampada por Leon.

- Se você conseguir comer um sanduíche sentado lá dentro, ganha a aposta - prometeu para Joshua.

Joshua fez um gesto afirmativo e respirou fundo; o fato do restaurante ainda estar vazio, lhe deu coragem adicional. Caminhou em linha reta até o balcão e pediu um sanduíche de pernil e uma Coca-Cola para a atendente negra. Pagou no caixa e ficou de pé aguardando o pedido, que lhe foi entregue num saco de papel marrom. Ele olhou para a calçada, onde Jay e Leon acompanhavam atentamente suas ações, e com calma simulada, sentou-se numa das banquetas à frente do balcão. A atendente arregalou os olhos.

- Ei, garoto! Não pode sentar aí! Vá comer seu sanduíche lá fora!

Joshua já dera a primeira dentada e com a mão livre, exibiu o recorte de jornal.

- O presidente Johnson diz que eu posso - desafiou.

- Senhor Hayes! Senhor Hayes! - Gritou a atendente para a porta que levava à administração do restaurante. Outras duas garçonetes negras, atraídas pelo tumulto, também se aproximaram, enquanto Joshua devorava o sanduíche como se a própria vida dependesse disso. Instantes depois, Andrew Hayes, um homem branco de cerca de cinquenta anos de idade surgiu na cena e franziu a testa ao ver Joshua sentado na banqueta.

- Ei, moleque! Os assentos são para clientes brancos! - Exclamou.

- Eu avisei, senhor - disse a atendente negra.

Joshua abanou o recorte de jornal no ar, como se fosse uma bandeira.

- Lei dos Direitos Civis, senhor - declarou, entre uma dentada e outra.

Hayes, que estava ficando vermelho, engoliu um palavrão.

- O governo federal não vai me dizer o que eu posso ou não fazer no meu negócio! - Explodiu. - Este é um estabelecimento local, e as leis do Alabama me dão o direito de lhe impedir de comer aqui dentro!

Joshua fez o sanduíche descer com a Coca-Cola e ao se erguer da banqueta, comentou:

- Talvez o senhor tenha razão, mas duvido que a Suprema Corte vá concordar com isso.

Virou as costas e saiu com a dignidade intacta, enquanto Hayes gritava impropérios. Sabia que nunca mais poria os pés naquele restaurante, mas estava tudo bem. Ao retornar à calçada, estendeu a mão para Leon. Este colocou a nota de um dólar nela.

- Você é corajoso - Jay teve que finalmente admitir, dando um tapinha nas costas de Joshua.

- [16-05-2023]