AS AVENTURAS DO VÔ VENTURA — VÉI OU COROA, EIS A QUESTÃO
O texto acima é de autoria do irreverente Nelson Mota, publicado no jornal O Globo, de 20/04/2023. E o que o Vô Ventura, septuagenário, tem a dizer sobre isso? Que resposta daria ao jornalista e músico, parceiro de compositores primorosos e ex-marido de sua querida musa Marília Pera?
Pelo que conheço do Vô Ventura, ele não anda nada satisfeito com nenhuma dessas denominações, sempre resmunga quando alguém o chama de velho, velhote, coroa, idoso, ou outra palavra que discrimina a pessoa e sua idade: — Velho é o caralho de seu avô, idiota — é sua resposta típica.
O etarismo estrutural, assim como o racismo estrutural, está muito além das palavras. Está nos gestos, nos olhares de pena ou de ojeriza, está nas pequenas ações. Está presente quando alguém diz — coitadinho, olha a idade dele; essa é de doer as artroses do tornozelo. — Toma esse chazinho que vai lhe fazer bem; é de subir a pressão arterial. — Você não está velho pra isso; aumenta o colesterol ruim. Mas a pior frase vem quando Vô Ventura diz que já tem mais de setenta e o(a) merdinha responde: — não parece. Ele só não fica vermelho porque já é.
A OMS define a “pessoa idosa” como aquela que tem idade igual ou superior a sessenta anos. No Brasil, o Estatuto da Pessoa Idosa segue a mesma regra e define normas de atendimento ao mesmo, que não o diferencia dos demais cidadãos quanto aos direitos deles, apenas recomenda o atendimento “preferencial”. Ou seja, entre um cidadão com mais de sessenta e outro com menos na mesma fila, a preferência de atendimento recai aos maiores de sessenta. Nem isso o Vô Ventura solicita, dada a sua saúde e seu vigor físico.
— O que queremos, meu caro, não é a tal da preferência, o que queremos é conexão, é ser parte da mesma comunidade, da mesma teia, da mesma rede que todos.
— Respondendo à questão, Vô Ventura, o que prefere, Véi ou Coroa?
— Por que não Senhor Ventura, simplesmente, como são chamados, formalmente, todos os senhores, independentemente da idade? A única coisa que a idade avançada requer é respeito, o mesmo dedicado a todas as pessoas. E que parem de nos olhar com estranheza. Viemos do mesmo barro e ao barro voltaremos. E muito provavelmente teremos a preferência na volta ao barro. Ou você quer furar a fila?