Um sujeito sem consideração
Oxi. Oxi oxi! Que é que é, o dito homem sabe tudo, sem premencia, sem consideração, cramunhao, desconsiderado, foi querer desforra de favor sem paga de serviço? Ora, pois que é. Um medonhento sabichão sem consideração. Um mequetrefe desatinado, um, um desconsiderado, isso é que é. O sujeito, assim, um mequetrefe mesmo, um sem alma, pois sim, pois sim, que um sujeito assim, mequetrefe, tem alma. Deus é bão, disso nunca que duvido, mas deixar um sujeito assim, sem consideração, sem um nada de apreço, de respeito, Ah, pois, se Deus deixou esse sujeito vir pro nosso conviver junto, assim, humano feito nois, então Deus tá precisando aprender mais um pouco sobre os homens, impossíve, acreditar que o Altíssimo deixou isso acontecer. Um sei nada homem desconsiderado por nada de favor que lhe fazem, homem, assim, mofina por demais e arrogante mais que doutor recém diplomado.
Não merece simpatia, não merece precisão de amizade forte. Cabra assim, desmedido de modos, mofo no trato, não merece nem um olhar de simpatia. Ora, pois, vive sem precisão de viver, pois é que é. Gado brabo inté quer parecer ser, mas, o quê traz no espírito, no modo é a alma da cobra; só espera o momento, a oportunidade, a distração e, vap!, tá dado o bote. O sujeito é assim, sorrateiro que só, ninguém gosta de ficar na frente dele, não confia nele ninguém de juízo bom, não. Nunca acompanhado de ninguém, está sempre só, olhando de traveis, rabo de olho, nunca em linha reta, sempre a destorto. Inté tem gente que afirma ter pacto, acordo de sangue, com o cramunhão, o bicho torto, o sangue ruim, o próprio. Sei não. Nunca que posso provar, mas aprendi: na dúvida, não duvida.
O padre, o padre Bento, homem por demais considerado, inté chamou o sujeito pra uma conversa, uma prosa, como se diz nessas bandas. O padre nunca que falou se o fulano foi ao encontro, mas, do jeito que as coisas correram, inté desconfiam que o encontro não aconteceu. É poisé, inté desconfiam porque nunca que ninguém falou que viu, então tudo fica assim: no silêncio silencioso do pensamento, cada um fica com o seu.
Ora pois sim! Ora, ora, quem, nessa terra de labuta sem fim, pouca oferta de alimentos e muita falta, miséria mesmo, ouviu-se semana passada da boca, no rádio comunitário, quer dizer, de todo mundo, o vice prefeito, mais o juiz e a mulher da educação, o vice prefeito dizer que ali, naquela parte esquecida de um Brasil de poucos, de gente que se apropria do que é de todos, para proveito próprio e de amigos e familiares, o vice prefeito falou, inté quase gritava, que a miséria não era coisa de destino, de Deus, não! A miséria era muito bem pensada por gente acostumada ao desfalque, ao desvio. Que se miséria era coisa de Deus, então, que era certo, muito certo, não acreditar Nele. Como é possível, aceitável, continuava o vice prefeito, como é possível dizer que a miséria é coisa de Deus!?
A rua lamascenta por causa da chuva noite passada, estava mais difícil de caminhar que nos dias secos. Era bom que não tinha poeira, era bom que os pulmão não doíam de tanta força pra respirar, claro que era bom não ter a pele seca, tudo isso era bom. Que adianta tudo isso se não se podia nem caminhar pela rua? Então o jeito era ficar em casa. Ficar em casa também é bom, mas é melhor quando pode sair. Não tinha jeito. Ficar em casa era o que podia fazer. Ver o dia passar na mesma velocidade da tartaruga, quer dizer, ver o tempo passar sem pressa de nada, sem querencia de rapidez. Pra quê, pra quê correr se já se sabe que na chegada o que se tem é o mesmo que nada, o mesmo que saber da existência do oceano e não ter uma gota de água, pra que saber isso? O que adianta, dizia o falecido Nhô Bento, saber que a felicidade é um estado de espírito, quando o a carne, a que dá sentido à existência do espírito, a carne sofre, sofre de frio e fome? Nhô Bento, homem demais de bom e sábio. Homem querido demais. Quando deixou essa vida, na despedida, o presidente da câmara fez homenagem muito que bonita. Disse muitas coisas de fazer lágrimas, mas guardei quando ele disse que o espírito de Nhô Bento foi pro céu se juntar às estrelas, que toda noite era só olhar pro alto que lá estava Nhô Bento olhando pra nois.
O mal agradecido do sujeito, o medonhento, o sujeito soberbo mais que Aguinaldo, prefeito, de família antiga da cidade, sujeito Aguinaldo um tojo de pessoa. Representante orgulhoso de uma família secular na história nacional - tataravô fora conselheiro no segundo império - Aguinaldo era da parte que se tornou caricatura quando, já na República, sua família teve pouca influência. Prima do dito, porém, tão amável que falavam que era de outra família, Marilda ria. Nada falava. Saia e ria. Era uma moça por mais que demais muito querida. Tinha vindo da cidade onde se formou para ser professora. Desde menina gostava de reunir as crianças na praça e brincar de professora. O fato sabido mesmo era que o sujeito, medonhento e desconsiderado, o sujeito chegou e ninguém, nem mesmo Aguinaldo, o parente, menos ainda, Marilda, a sorridente moça, nenhum desses e mais o Felisberto, juiz e colega de infância do sujeito, se prontificaram em receber a triste figura do sujeito que saiu e voltou sem despertar nenhuma consideração. Nos dias atuais, dias calmos, de estrada seca e poerenta, o sujeito vėve assim, esquecido na varanda, sem pressa de que o dia acabe, igualzinho a tartaruga que anda, anda, tão lenta e sem precisão da chegada que leva consigo a casa porque qualquer canto pode ser morada.