O SÉTIMO PÁREO

O SÉTIMO PÁREO

A vida no Jockey Club e nos circos é bastante parecida: longe da diversão e da alegria existe um trabalho duro, desde a madrugada. Cuidar dos animais, limpar jaulas e o picadeiro, alimentá-los, varrer, lavar, etc. Com os cavalos não é muito diferente, desde as primeiras horas um bocado de gente se preocupa com eles, dedica-se a escová-los, encilhá-los, treiná-los para as corridas e, depois, correr, correr muito, como se o fim do Mundo viesse atrás deles. E haja chicotadas... a parte ruim daquilo tudo ! "Diamante Negro" não era um equino comum, não mesmo: gostava de correr desde pequeno, passava as manhãs em intermináveis círculos no quintalzinho da modesta família. O cavalinho surgira por ali, presente de um tio para o "Bibico", Roberto Carlos, que já o montava pequeno ainda, os 2 tendo menos de 1 metro de tamanho. E foram crescendo juntos, o cavalo bem mais do que o garoto, que "se esqueceu" de espichar e continuou mirradinho, "pingo de gente", um "palito" aos 13, 14 anos, a fama do "cavalão preto peito de aço" correndo por toda a redondeza.

Chegou nos ouvidos do pessoal lá do Jockey Club, na capital, as façanhas e maravilhas daquela "maravilha negra", sem oponentes na cidadezinha. Ofereceram "casa, comida e roupa lavada" pro menino e seus familiares, dois meses de "maré mansa" em troca da presença de "Diamond Black" (quem ?!, era o cavalo com novo nome !) na corrida principal do Domingo de Páscoa, o "Derby Royal", sensação no Jockey Club a cada ano, os melhores cavalos do Estado, até de outras regiões.

As inevitáveis "fofocas" revelaram a novidades para uns poucos, a cada madrugada, e desses para meia capital, todos "enfiando seus trocados" no cavalão estreante, movido ao desejo de correr "livre como o vento" e ao prazer de comer o delicioso sonho, com seu minidono, na cantina ao lado da arena, da pista. Rotina igual todas as manhãs... volta de "aquecimento", volta pra valer, o chicote estalando nas coxas e até no pescoço e a "meia volta", ainda voando e que terminava na cantina, no doce sabor energético do adorado "sonho", prazer de ambos, menino e animal.

E chegou o grande dia... o populacho inteiro "descarregando apostas" no cavalão desconhecido, primeira corrida oficial, "azarão pule de 10", um tal de "Diamante Negro". Quem ?! Aliás, "Black Diamond" ou "Diamond Black", ninguém sabia ao certo... o menino dormiu na cocheira, ao lado do cavalo e tão inquieto como este. Nada de corridas naquela madrugada, nem cheiro do amado "sonho", só aquela aveia insossa, capim seco sem sabor. A corrida principal, às 9 da manhã, era em 3 voltas e não em 1 ou 2, como as anteriores, seis páreos se sucedendo, com o cavalo e o minijóckey ouvindo no curral toda a algazarra nas pistas e arquibancadas.

Chegou a hora... as cornetas anunciaram o páreo final, o cavalo indócil mordendo o bridão, mais nervoso do que no dia de transar com a égua do vizinho. Nem precisou apanhar... após o tiro de largada já se distanciava na primeira volta, poz "10 corpos" de vantagem "na volta final" e continuou "voando", correndo agora para o delicioso "sonho" à sua espera, mais de cem metros à frente do grupo, algo nunca visto. Já perto do final da pista, último trecho, "pegou o atalho" pra cantina, onde chegou bufando, para espanto do menino, que não conseguia detê-lo. Ganhou seu "sonho", retrocedeu amuado e obrigado para a pista e findou a corrida em quarto lugar, para espanto e desencanto dos que assistiam o páreo final. Não rendeu "nem DUPLA" para seus fãs, não pagou "1 CENTAVO" para quem nele apostou. Menino e cavalo foram escorraçados do Jockey Club com a família e voltaram para sua "vidinha" no interior. Foi o fim do "Diamante Negro" !

"NATO" AZEVEDO (em 14/abril de 2023, 6hs)

OBS: mais 1 SONHO que se torna conto, este... com um "sonho" pelo meio !