A CASA DO MEDO

Mirinho era uma criança com a alma doente de tristeza. Chorava demais, era mimado ( ou talvez mal compreendido, esta sim era a hipótese mais certa. ).. Mirinho tinha medo de tudo, vivia assombrado. Seus pais eram adeptos de uma segmento religioso, e o obrigavam a ir com eles em um local ermo na madrugada assistir tristes cenas de sacrifício de animais. Mirinho quis fugir, mas sentiu suas pernas travarem. O menino chorava e, ao abaixar a cabeça para não assistir ao ato criminoso, apanhava dos pais.

Vanda e Elinelson, pais de Mirinho, eram adeptos da seita fundada por Juari Jatiranha.

Ele era uma figura quase lendária, desapareceu com cento e vinte anos de idade. Não se sabe ao certo como foi sua morte, muitos afirmam que ele não morreu, e sua voz é que provoca os furacões, a força violenta dos ventos. Juari Jatiranha desapareceu no ano de 1850 num dilúvio que atingiu a Amazônia peruana. Mirinho tem um pavor desta entidade! Mirinho se chamava Miriano, quando nasceu foi entregue para a entidade Juari Jatiranha, seu antepassado.

Pobre Mirinho, seu destino estava traçado! Juari Jatiranha era um espírito brabo, não tinha dó de ninguém. Os adeptos desta religião têm que suportar a dor. Cada lágrima a descer no rosto demonstrando fraqueza, medo a entidade castigava com um croque bem forte na cabeça que só faltava abri-la. A malvadeza foi passando de geração a geração. O líder da religião era Elinelson, ele incorporava Juari Jatiranha, o guru idolatrado na seita. O castelo de Mirinho estava sendo construído. Ele é o sucessor, e iria assumir a liderança da religião com a morte do pai. Mirinho não estava preparado, ele não se sentia bem e o pior é que nem podia dizer nada. Quando um adepto reclamava ou criticava algum ordenamento ou ritual, então o espírito de Juari Jatiranha se apossava do líder e este cometia a atrocidade de cortar a língua do queixoso. Na primeira sexta-feira de Agosto acontece a festa de aniversário de Juari Jatiranha. Todo ano os adeptos reúnem-se num mesão com uma toalha finíssima de puro linho. Em seguida, eles fazem uma invocação, oferecem a comida à entidade ( o seu prato predileto era vagina de vaca cozida, pois julgava ser um prato afrodisíaco. Os jovens seguidores da religião tinham que iniciar a vida sexual se relacionando com Jatiranha. Eram obrigados! ). As luzes do castelo se apagavam assim que um vento forte adentrava o local. Mirinho ficava impressionado, tinha de engolir o choro. O barulho da entidade devorando o jantar era uma tortura para os ouvidos. O sinal que Juari Jatiranha havia terminado de comer era o vento forte fechando a janela. Logo após, as luzes do castelo se acendiam e os adeptos comiam a sobra deixada pela entidade.

Aquela noite ficou marcada! Mirinho nem conseguiu dormir.

A partir desta data passou a delirar, ficou louco, agoniado e chorando sem parar. Elinelson dava um tapa na boca do filho, a fim de fazê-lo parar de gritar, mas o menino gritava assustado. Dizia que a entidade Juari Jatiranha acompanhava seus passos. Certo dia, Mirinho pulou da cama assustado, fugiu de casa só de cueca e chupeta e foi até a venda do Seu Arquimedes ( senhor amigo de todos no bairro e que vendia doces deliciosos, saborosas compotas ) para buscar proteção. Arquimedes não viu o menino prestes a entrar na loja, e por pouco o velho não caiu na armadilha de um mal entendido. Assim que Mirinho atravessou a rua, os cachorros começaram a latir e, então, ele em seu delírio ouviu a voz da entidade ordenando que voltasse para casa. Mirinho voltou chorando pra casa, e o pai já o pegou forte pelo braço e lhe dando umas chineladas. Seu Arquimedes via tudo e sentia muita pena do menino. Dizia consigo: " Se fosse possível, eu pegaria esse menino pra eu criar, ser o filho que eu nunca tive. Iria criá-lo na presença de Deus. "

Arquimedes era um homem fiel a Deus, não era simplesmente um religioso. Tinha intimidade com Deus me, não decorava versículos bíblicos a fim de mostrar santidade. Hipocrisia é fachada de uma casa arruinada, o hipócrita é um perdedor porque é impossível ficar de pé apoiado na mentira. Quando Arquimedes chegou para abrir sua loja no bairro, a vizinhança toda já comentava sobre a família de Mirinho. Todos tinham medo de Vanda e Elinelson. O casal só vivia em pé de guerra, os xingamentos eram constantes, rogavam pragas, eles não transmitiam coisas boas. Arquimedes foi alertado para não se estabelecer ali, pois não teria como prosperar, haja vista que muitos abriram negócios ali e faliram. Mas Arquimedes não se deixou intimidar, pois Maior é o que está dentro dele. Ele era um homem de fé! E foi com essa fé inteligente, com garra e determinação, sempre apoiado em Deus e jamais na força do braço que ele se firmou ali e prosperou. Vanda e Elinelson não olhavam nos olhos de Arquimedes. Daquela família somente Mirinho era quem gostava do velho doceiro. E a doçura venceu a amargura. Arquimedes disse a Mirinho que se acaso quisesse desabafar poderia contar com ele. Uma tarde, quando os pais tinham ido fazer uma obrigação para a entidade, Mirinho não foi e disse que iria estudar a lição da escola. Assim que terminou o dever, foi até a loja de doces e contou tudo para Arquimedes: a construção do castelo, a entidade Juari Jatiranha, o sacrifício de animais, as malvadezas com o intuito enganoso de purificar a alma. Como atrair a bondade fazendo coisas ruins? Isso não tem lógica! Arquimedes fez então Mirinho entender que quem segue um ritual está preso e assim vivem os religiosos. O medo é uma casa e quem está nela não vive num bem estar, ao contrário, é uma dor, um castigo. Faz o que se manda somente por medo. O mal usa o medo pra prender. Arquimedes então decidiu resgatar Mirinho daquela vida, daquele terror. Primeiro orou a Deus juntamente com Mirinho. Depois, Arquimedes fechou a loja de doces e, quando viu o casal voltando da obrigação, foi ter com eles. O que Arquimedes falou desestabilizou o mal. Foi como uma porta, uma saída para Mirinho. Vanda, Elinelson e tantos amigos do casal e seguidores da religião ficaram cegos. O castelo desmoronou, o castelo prometido para Mirinho morar assim que chegasse a maioridade para ser líder da religião.

A frase impactante que foi dita provocou o mover de Deus.

Deus espera de cada um de nós atitude. Arquimedes foi um anjo na vida de Mirinho. Deus viu a pureza no coração do jovem , a atitude e as lágrimas. Mirinho era humilhado, teve o corpo todo retalhado por não aceitar participar das obrigações. Uma vez, ajudou a dar fuga para os patos, galinhas e bezerros que iriam ser sacrificados.

Juari Jatiranha foi derrotado e levou todos da família de Mirinho. O coração duro do casal Vanda e Elinelson trouxe a morte pra eles. Somente Mirinho se salvou.

Arquimedes adotou o jovem.

Vitória do Deus Vivo!

Esta foi a frase dita por Arquimedes:

" Enquanto eu estava só envolvido em meu mundo, nada entendia de solidariedade."

A religião nos coloca num mundo de obediência por medo.

O medo não amplia nossa visão. O medo nos torna egoísta, só olhar para o que pode acontecer conosco. Aí acontece a divisão, não existe união, não existe solidariedade, não existe amor.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 30/03/2023
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