Cidinha e Câindo

Cidinha era casada com Zé Cândido. Bonitinha que só. Morena, cabelos tipo "preto esparramado pelas costas", tratados semanalmente com babosa. Cheirava a patchuli. O marido era grandão, desconjuntado, branquelo, meio ogro. Cheirava a graxa. Ela era faxineira e tinha uma bicicleta. Ele era mecânico de automóveis e tinha um fusquinha azul comprado de 3a. mão. Juntos tinham um parzinho de gêmeos e moravam numa meia-água nos fundos da casa da falecida mãe dele, que Deus a tenha. A vida corria bem. Desde que ela não usasse shorts quando fosse lá fora. E ela não usava. Num belo domingo, ou nem tão belo assim, Cidinha foi avisada que o Zé Cândido tinha capotado o carro perto da Usina Nova e estava na Santa Casa. Ela se apavorou, chorou, chamou os santos, Deus, protege meu amor, cuida dele, deixou os meninos com a vizinha de cima e correu pra Santa Casa,

Ýlevando na bolsa um terço e uma imagenzinha de Nossa Senhora. Aparecida. Chegou lá apavorada, chorando, desesperada, ondé que tá meu marido, um furdunço! Zé Cândido estava na sala de cirurgia, consertando a perna esquerda e o braço direito. Já o fusquinha não tinha conserto. Tinha dado pt.

A imagenzinha da santa não podia entrar na sala de cirurgia, mas ó, a mocinha que estava com ele está bem; em observação, mas bem. Oi??? Mocinha??? Com o meu Câindo??? Como assim??? O choro virou grito, virou berro, a barriga doeu, a boca amargou... Cidinha entrou doida na enfermaria - nem ouviu o calma moça da enfermeira - caçando a oponente. Cadê ela, cadê aquela %@&*. Achou. A mocinha tinha um curativo na testa, o nariz quebrado e a boca inchada. Vou acabar de matar essa cadela!!! O assassinato da mocinha foi evitado por duas enfermeiras e dois seguranças que retiraram a traída dali a força, mas esperneando e espumando de ódio.

Cidinha engoliu o choro, o sapo, os gritos e resolveu que não ia rezar por aquele *%@#., aquele #@%^, %^&*, *&^#$.

Foi pra casa. Vestiu um shorts, juntou as roupas e as tralhas do ex amor e levou tudo pra casa da cunhada, irmã mais velha do Zé Cândido. Na falta da mãe, devolvo pra irmã. Se ocê não quiser, manda ele pra casa daquela &*%$@!!! Lá em casa ele num entra mais! Entrou. Passou um tempo, Zé Cândido quase recuperado, entrou. Um dia entrou pra ver os meninos, depois entrou pra procurar um alicate, um dia pra levar umas laranjas, entrou pra arrumar o chuveiro. Uma noite entrou pra levar um dinheiro e não saiu. Estava tarde e chovendo. Cumé que ocê vai sair de muleta nessa chuva, home de Deus?

Isso mesmo que o sô sapo queria...

Desirée Santiago
Enviado por Desirée Santiago em 29/03/2023
Reeditado em 15/10/2023
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