Pescoço duro
Temida ao extremo por ser brava e enérgica demais quando era diretora escolar, ela era a madrinha de batismo e a avó postiça mais doce do mundo. Tinha um carinho por mim fora do comum, e o que eu, menininha, mais gostava nela era dos bolsos dos vestidos que sempre escondiam balas e paçoquinhas de amendoim. Esses trem faziam minha alegria e a dela, que era diabética.
Ela acordava sempre às dez, lia Seleções, cantava desafinado que só - que dó - e era surda. Como uma porta.
Nasceu com uma discretíssima, quase imperceptível, rigidez no pescoço.
Uma coisa a deixava nervosa: precisar costurar à máquina. Tinha uma Singer que muitas vezes foi meu carro de passeio. Quem teve o grande prazer de, na infância, ter uma máquina de costura em casa, sabe do que eu estou falando.
A Singer dela ficava junto à janela de um quartos que dava para o jardim e para a entrada da casa - além do belíssimo jardim, na casa tinha um quintal com pomar e horta de fazerem inveja.
Pois bem. Certo dia, a dindinha (era assim que eu a chamava) estava embainhando um lençol no meu "carro de passeio", quando entrou uma senhora portão a dentro, chegou na janela e perguntou, pedindo:
- Dona Judith, tem mamão maduro?
A dindinha, surda que era, e naquela manhã, não sei porque, com os nervos à flor da pele, entendeu "tá com o pescoço duro?", e respondeu, cuspindo marimbondos e bem alto, como era de seu costume falar:
- Nããão!!! É de nasceeença!!!
‐---‐--–----------‐--------‐----------⅝
Judith Couto era de Bom Despacho, filha do respeitado fazendeiro Bem do Pacífico e foi a segunda esposa do meu avó materno, Vicente Gregório. Foi a avó que eu conheci. Faleceu em 1980.