QUANDO A PACIÊNCIA ACABA ANTES DO FINAL DA HISTÓRIA
Afirma o conhecimento popular: “ água que o passarinho não bebe alarga o fado falador”. No entanto, em sua pessoa esta máxima não era verdadeira, apesar do hábito. A língua já nasceu nos cotovelos. Francisco era conhecido como um grande contador de histórias. Às vezes era necessário mais que um dia para concluir seus relatos. Conversava pausadamente e fazia questão de relatar tintim por tintim dos detalhes para que não pairassem dúvidas sobre a veracidade dos fatos narrados.
Ouvir uma história contada por Cajueiro, início, meio e fim, era para quem tinha o dom da paciência de Jó e tempo, mas muito tempo disponível para escutá-lo.
Era um domingo, ainda nas primeiras horas da manhã, quando ele se encontrou com um amigo de longa data e os dois sentados num banco da praça sorriam de suas conversas triviais. Farofa que também nada tinha de besta, pediu que que o amigo contasse um de seus causos. Farofa adorava recontar histórias que ouvia, era bastante criativo na hora de aumentar e enfeitar fatos narrados.
Cajueiro então começou relatando para Farofa, a história de um jacaré que estava aparecendo na lagoa dos banguês, assustando pessoas e também se alimentando de galinhas, porcos e outros animais da vizinhança.
- Farofa isto era um baita dum jacaré, falava e fazia gestos com as mãos mostrando o tamanho do bicho, inclusive já estava se acostumando com as pessoas. Assim, tomei conhecimento das horas que ele costuma aparecer nas margens da lagoa. Explicava Cajueiro, se mostrando empolgado em detalhar para Farofa, sua astucia para caçar o jacaré.
- Fiquei durante uma semana de tocaia esperando o jacaré aparecer e nada. Até parece que o bicho sabia os horários que eu estava lá. Enquanto falava, fazia questão de enaltecer sua qualidade de grande caçador e aguçava cada vez mais a curiosidade de Farofa para saber como seria o grande final da caçada, isto é, como teria sido o fim do jacaré.
O sol quase a pino e a narrativa ainda longe da metade. Cajueiro então convidou Farofa para almoçar em sua casa. No trajeto até sua casa continuou narrando os fatos acontecidos, inclusive de um bem-te-vi que cantava sentado na ponta de uma estaca da cerca que circundava a lagoa. Era muita narrativa paralela, nada passava despercebido ao seu redor.
O almoço começou e terminou com Cajueiro narrando sua saga da caça ao jacaré.
- Como o animal parecia ter mudado seu horário de aparecimento, decidi armar uma rede a duas carnaúbas que ficavam bem próximas a margem da lagoa.
Durante o dia não conseguia visualizar o animal, então resolvi esperar à noite.
Já passava das quatro da tarde e Farofa continuava atento as palavras de Cajueiro, esperando o momento do desfecho daquela espera.
- Pequei minha espingarda bate bucha e fiz um carrego especial, tinha tomado ódio pelo jacaré. Dizia Cajueiro mostrando rancor na voz.
A cada novo personagem que lembrava na história, Cajueiro detalhava de quem era filho, parente, aderente e etc. Depois continuava o relato de sua espera do jacaré.
- Armei a rede, deitei e coloquei a espingarda sobre meu corpo, e fiquei bem quietinho esperando. A lua estava bonita no céu, era uma noite fria e uma constante briga com as muriçocas.
- Depois de muito tempo esperando ouvi um barulho na água e coloquei a cabeça fora da rede e vi o jacaré se aproximando da margem. Mas agi errado, lamentou Cajueiro, deitei de costas para a lagoa e não podia fazer movimentos bruscos para não espantar o animal. Tentei mudar minha posição, o jacaré percebeu o barulho e ficou quieto. Decidi atirar no jacaré de costas mesmo. Quando o bicho botou a cabeça fora da água novamente, fiz malabarismo dentro da rede, levantei os pés cruzados para servir de apoio a base da espingarda, botei o cano encostado numa das orelhas e fiquei vigiando a lagoa. Ajustei o cano na mira do jacaré, olhando pelo canto do olho, quando ia apertar o gatilho, ele voltou para baixo da água.
As horas foram passando e Farofa já com aquele “faz mirim” nos pés de impaciência pelo grande final da história. Rezava por todos os santos, torcendo que aquela fosse das histórias que Cajueiro terminava no mesmo dia.
Cajueiro fazia gestos com as mãos para enaltecer a grande ideia que tivera naquela noite e demonstrando segurança nas palavras, disse como pôs em ação sua estratégia.
A noite já tinha adentrado o dia e a impaciência ia deixando Farofa inquieto. Mas fazia um esforço tremendo para parecer calmo e atencioso aos fatos narrados.
- Fiquei quietinho na rede e esperei o jacaré dormir. Disse Cajueiro e continuou:
- Já passava da meia noite e calculei que o jacaré estava dormindo e com muita calma levantei da rede. No primeiro passo que dei, tropecei em minhas botas que estavam embaixo da rede, escorreguei e caí dentro da lagoa.
Farofa olhos arregalados, em êxtase, na expectativa de como teria sido o ato de heroísmo de Cajueiro para matar o jacaré.
- Me aproximei da água e vi o jacaré com metade do corpo visível, olhando fixo para mim. Farofa com as mãos suando de ansiedade, Perguntou:
- Atirou e matou o jacaré?
Cajueiro com toda a calma que o mundo tinha deixado a sua disposição, respondeu:
- Não. Escorreguei na lama e caí com a espingarda dentro da lagoa. Molhou a espoleta e não foi possível atirar e o jacaré foi embora.
Farofa levantou do sofá, era negro, estava branco, bufando de ódio do amigo. Tinha esperado das nove da manhã e o jornal nacional estava terminando, para ouvir Cajueiro dizer que na hora de atirar no jacaré caiu dentro da lagoa com a espingarda e o jacaré escapou.
Farofa saia da casa do amigo sem se despedir e ainda ouviu Cajueiro dizer:
- Espera rapaz, agora vou te contar o que aconteceu na espera do outro dia.
Sem olhar para trás, Farofa proferiu alguns palavrões e foi embora com raiva, inclusive do jacaré.