E ESSA CANCELA AMARRADA?

Certa vez, numa das minhas andanças nas zonas rurais da vida, me deparei com uma situação real e bem estranha. A Serra do Cuité é um contraforte do planalto da Borborema que serve como divisa natural entre os estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Nesta porção de terra plana existe uma localidade chamada Serra da Lagoa, uma fração de chão que fica próximo da linha invisível da fronteira geográfica.

Um torrão bonito, relativamente habitado na parte plana onde passa a estrada carroçavel principal, porém não é comum encontrar resquícios de vivalmas permanentes onde o declive, para o norte sentido RN, faz com que os ramais empoeirados desçam grota abaixo. E este é o local exato onde a história aconteceu.

Numa tarde calorosa para aquele local o relógio batia umas descêsseis horas… estava eu e um companheiro de trabalho seguindo o fluxo da labuta do dia. Ele dirigindo e eu fazendo meu papel de ofício. Ao entrar numa estrada que parecia trilha feita pelo gado seguimos adiante. Pedi para ele ir mais um pouco devagar, quase parando, para atentar-me bem a inspeção na rede elétrica e observar mais detalhes preditivos. E então, nos deparamos com um obstáculo que impede qualquer passagem veicular, a famosa cancela. Ah, e naquelas bandas tem tantas! As dezenas! Tão comum e tão cotidiano para mim. Quando estou trabalhando sozinho, elas me fazem sair e entrar do carro umas quatro vezes toda vez que as encontro. Tão comum, tão cotidiano e tão chatas.

Contudo, esta não seria apenas mais uma singela cancela…

Desci do carro, desamarrei e tirei o arame do pequeno mourão que auxiliava ainda mais a segurança e a deixei aberta para fechá-la só na volta. Seguimos em frente de forma cautelosa tanto para melhor inspeção e tanto pela estrada até então desconhecida. Em certo ponto falei para deixarmos a viatura e seguir a pé por perceber que o trecho estava ficando complicado para aquele 4x4, e saímos caminhando grota abaixo. Percorremos umas centenas de metros sem nenhum sinal de presença física humana no local apenas uma e outra casa velha abandonada pelo êxodo que tanto esvaziou os rincões do interior ao longo dos anos. Porém, percebermos que a estrada começou a ficar transitável para um veículo tatuar seus pneus no chão, e neste momento solicitei ao meu parceiro que ele retornasse para trazer a camionete, enquanto eu continuava realizar a inspeção dessa vez sozinho, ao som do vento espremido nas juremas ressequidas e nos angicos carentes de suas folhas miúdas.

A distância do local exato que pedi para ele ir até o veículo era bem menor do que a do veículo até a cancela que desamarrei…

Então, continuei caminhando e cheguei no final da linha. E quando eu estava voltando ouvi o motor a diesel camuflar gradualmente o som da natureza naquela tarde que já estava prestes a entrar no segundo ocaso cíclico diário. Em certo ponto nos encontramos e retornamos. Ao fazer o caminho inverso subindo a grota com o motor rugindo em combustão, que seria bem complicado se fosse para usar as pernas e encarar o aclive, chegamos a cancela. Assoviando saí da viatura e a desamarrei, tirei o arame que a prendia ao mourãozinho… a camionete passa e eu fecho tudo e entro no veículo.

O barulho da porta ao fechar foi como um estalo na mente e foi neste momento que me dei conta…

E perguntei a ele:

- A cancela estava amarrada!?

Ele me indagou curioso:

- Estava amarrada?

Eu falei:

- Sim, estava amarrada. Foi tu que amarrou não?

Ele falou:

- Oxe, eu não, eu peguei a camionete e desci… para eu ter ido até a cancela não tinha chegado ligeiro ao teu encontro.

Eu fitei:

- Deixe de conversa…

Ele disse:

- Sério homi, eu também não entendi essa.

Realmente não tinha como ele ter ido tão rápido para fechá-la e voltar a pé até com a camionete; primeiro porque não tinha como ele fazer a volta com a mesma e ir ao meu encontro devido a estrada ser estreita, e segundo não daria o tempo certo. Então, com uma equação sendo feita na mente na velocidade da luz

a conta fechou. Neste instante o silêncio imperou. Continuei olhando para aquele rosto que conheço por anos de amizade depois fitei estaticamente aquele ermo desabitado sem sinal de civilização recente. E como uma telepatia, aquele ermo lá fora ficou fixo no limbo da minha mente que habitava apenas uma conclusão pelo fato ocorrido, e foi aí que eu disse com assombro em voz alta:

- Vige Maria!!!!!

E seguimos viagem.

Wotson de Assis
Enviado por Wotson de Assis em 12/02/2023
Reeditado em 14/02/2023
Código do texto: T7717824
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