A morena que vale ouro

Ouro de aluvião

Tiãozinho passava por uma fase difícil em todos os sentidos, o único emprego que arrumou foi para bater pasto em uma fazenda em Gaviões. Para quem não sabe, bater pasto significa que o peão tem que arrancar as ervas daninhas, tocos e o que mais possa prejudicar o gado em sua vida diária. É diferente de capinar, na capina usa-se enxada, na bateção de pasto usa-se o enxadão. É mais seletivo, só vai arrancar o que não é capim, mas não pense que é fácil, porque esse tipo de serviço não se faz com mau tempo devido aos raios, é debaixo de sol forte e exige muito do trabalhador.

O jovem Tião acordava de madrugada, fazia o café, preparava a marmita e enchia a garrafa térmica. Seria mais fácil a lida se ele tivesse uma companheira, mas a morena foi embora porque disse que não queria mais andar a pé. De fato ela parou, Tiãozinho sempre a via passar em uma caminhonete da outra fazenda, acho que ele deve estar só dando carona para ela, pensou enquanto coava o café. Bem que ele tentou aproximação, mas a morena não "deu bola" pra ele na festa do rodeio e foi embora de carona em outra caminhonete de vidros escuros, deve ser algum conhecido que deu carona, pensou mais uma vez. O dia já clareava e isso indicava que ele teria que caminhar para o serviço.

O enxadão rufava no chão e o mato caia, o cheiro de terra subia e o serviço rendia, Tiãozinho era bom de trabalho, uma pena a morena não reconhecer isso. Por volta das onze horas, quando o sol já estava castigando, ele se achegou mais para perto do rio para almoçar, era o único lugar que tinha algumas sombras devido à obrigatoriedade de preservação da mata ciliar que ainda crescia. Naquele dia o seu corpo estava moído, resolveu tirar as botas de borracha que àquela altura já cozinhavam os seus pés, uma pausa para refrescar o corpo e as ideias no rio seria uma boa pedida antes do almoço, o jovem entrou no São João que naquele trecho estava assoreado e a água não passava das canelas, em algumas partes não ultrapassava os calcanhares, cabe esclarecer que o rio naquele local não passa dos cinco metros de largura. Tiãozinho molhou o rosto e resolveu deitar para molhar todo o corpo, mas quando abriu os olhos e olhou na direção do banco de areia viu refletidas pelo sol algumas pedras douradas, o brilho era intenso! Tião levantou e pegou algumas em sua mão, não tinha experiência no assunto, mas já havia assistido alguns documentários que falavam sobre ouro, então ele resolveu morder uma das pepitas e percebeu que sim, era ouro! Rapidamente catou todas as pedrinhas que avistou e as guardou no seu bornal, trabalhou com disposição naquela tarde, vez ou outra voltava ao rio para ver se achava mais algumas pedras, mas naquele dia não achou mais nada. Dois dias se passaram sem que Tiãozinho pudesse retornar ao trabalho devido à tempestade, ficou em casa e ocasionalmente olhava as pedras, havia coletado uma boa quantidade delas, algo em torno de oitocentos gramas. Enfim a chuva parou e ele pôde retornar ao serviço, o rio ainda estava cheio e nem sinal de ouro, o jeito era voltar a bater pasto. Só no terceiro dia as águas baixaram e com elas uma surpresa, muitas pepitas brilhando ao sol. Tião catou quantas pôde, com o tempo elas foram desaparecendo, o famoso ouro de aluvião despenca de algum lugar e fica exposto para algum afortunado o recolher, neste caso Tiãozinho, que a essa altura já subia e descia o rio a procura do metal brilhante, porém só naquele trecho o achava, nas outras partes o rio era fundo e nada se via, o jeito era pegar o que a sorte disponibilizava. Quando concluiu o serviço do pasto, Tião estava com cerca de dois quilos de ouro puro, coletados ali mesmo onde ele parava para almoçar, mas, uma ideia surgiu em sua mente, cavar o barranco da margem e, ele estava certo, na primeira batida do enxadão uma pepita de mais de dois quilos saiu daquele lugar, porém foi a última, não apareceu mais nada. Ele pegou tudo que havia arrecadado e voltou para casa.

Tiãozinho sumiu por uns tempos, mas antes disso passou na outra fazenda para falar com a morena, ela mais uma vez o esnobou, disse que só andava de caminhonete com ar-condicionado ligado no máximo e não queria voltar a cozinhar à lenha nunca mais. Tiãozinho saiu dali triste, mas decidido! Ficou ausente por alguns meses, três para ser mais exato, voltou dirigindo sua própria caminhonete, investiu em uma propriedade e a encheu de cabeças de gado nelore, investiu parte de seu dinheiro em criptomoedas por aconselhamento de um amigo que fez na cidade, a recomendação deu certo e ele triplicou o seu patrimônio. Tudo dando certo, só lhe faltava uma coisa, foi até a fazenda falar com a morena, quando ela o viu chegar com uma caminhonete mais cara do que todas as que ela havia andado e ainda por cima, com roupas de agroboy, cordão, relógio e pulseira de ouro, ela não pensou duas vezes, correu-lhe ao encontro e disse que sempre o amou! Tiãozinho olhou no fundo dos olhos dela e falou: --- você me disse que não queria mais cozinhar em fogão à lenha, saiba que comprei um fogão elétrico e, tem até uma cozinheira lá na sede da fazenda, você não vai precisar nem cozinhar! A morena entrou na caminhonete só com a roupa do corpo e lá se foram com o ar-condicionado ligado no máximo.

Fabrício Fagundes
Enviado por Fabrício Fagundes em 09/02/2023
Reeditado em 19/09/2023
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