Causo 5 do livro "Casos inacreditáveis de Coribe", de Marcos Macedo
Causos de Coribe - Cumprimentando um defunto no entardecer
Já se passava uma semana de trabalho na fazenda da Ema e o ilustre trabalhador de foice, machado e enxada, chamado Prado, já estava agoniado para ir embora. A jornada foi longa!
Ele trabalhou de sol a sol para João Dourado, o dono da fazenda, e sua tarefa consistia em roçar uma manga de capim.
Seu almoço era levado pelo patrão e a dormida tinha que ser lá mesmo, num rancho malfeito na encosta da grande área de trabalho.
Mas Prado é um homem corajoso e não tinha medo de dormir lá sozinho. Nem poderia ter, já que, se tivesse, teria que enfrentar mesmo assim. Era uma questão de sobrevivência, ou seja, trabalhar para comer e comer para trabalhar!
Após longa jornada, já no final do dia, Prado terminou seu ordenado e chegou o grande momento de ir embora. Disse ele, feliz da vida:
– Que alívio, agora vou voltar para a rua!
Apenas para esclarecer o termo, alguns moradores daquela região usam o nome rua para se referir à sede de Coribe.
Colocou a foice nas costas e foi a pé para a sede do município, um trajeto de cerca de 20 km. Ao chegar na estrada que liga a fazenda ao asfalto, após caminhar por cerca de 1 hora, ele passou na frente de uma casa.
Na beira de um colchete que tinha na cerca que separava o terreiro da estrada, estava um homem parado ao lado do poste, que era o dono daquela morada e das terras que a cercava. Tratava-se de Curaçá, um amigo antigo daquele trabalhador.
Prado então o cumprimentou, estendendo-lhe a mão e tendo a enorme decepção de não ter tido a merecida reciprocidade.
Após uns 5 segundos com o braço estendido na direção da mão do homem, envergonhado, desfez o movimento, escondeu a mão no bolso e disse:
– E aí Curaçá, tudo bom?
Infelizmente ou felizmente, a negativa do cumprimento com aperto de mãos se estendeu à saudação verbal.
Só restou uma coisa a fazer: seguir viagem!
Diante da decepção, intrigado ficou o digníssimo trabalhador:
– Mas ele sempre falou comigo... o que eu fiz para ele não me dar atenção?
Inconformado, foi pensando nisso enquanto se distanciava daquela casa, ouvindo o som de um canto de coan vindo de uma árvore situada nas proximidades de onde estava Curaçá, mas não se importou com o pássaro.
Naquele momento, fazia sentido para Prado o fato de que a gente nunca sabe o que se passa na cabeça dos outros.
Mas vida que segue! Ele tinha muitos outros amigos. Se aquele ali não o quis cumprimentar, demonstrada ficou a clara intenção de interromper a amizade. Nesse caso, o melhor a fazer era dar mais valor nos seus outros amigos e deixar aquele de lado.
Prado entendia que quando se perde um amigo, por qualquer motivo que seja, inclusive por ocasião da morte, cabe valorizar ainda mais os amigos que restam.
Mas tudo tem um motivo, por mais obscuro que seja!
Ao caminhar por mais alguns minutos, o trabalhador encontrou com outro amigo, também morador daquela região rural, o Seu Cândido, que veio a pé da rua para dormir na fazenda naquele dia.
Prado contou-lhe o caso, mas Cândido Sales não acreditou e pediu para que o contasse novamente. Após longa conversa, Seu Candido disse que não acreditava naquilo e que não passava de uma história inventada.
Afirmou o amigo ao trabalhador:
– Você deve ter trabalhado demais que ficou doido e está com as ideias confusas!
Prado confirmou o fato mais uma vez:
– Mas é verdade Cândido, eu cumprimentei ele e ele não me respondeu!
Seu Cândido ficou branco e disse que Curaçá havia morrido e que foi no velório no dia anterior!
Naquele momento, os dois suaram frio, já que Prado havia cumprimentado um defunto no entardecer sem saber previamente da morte.
Prado ficou assustadíssimo e, tremendo, disse ao amigo:
– Vixe meu Deus do céu! Caramba hein! Deus me livre duma coisa dessa! Como pode acontecer isso! Curaçá morreu e apareceu! Bem que eu vi que ele não quis me cumprimentar! Ainda bem que ele não pegou na minha mão!
Já estava anoitecendo e o trabalhador ficou com medo de seguir sozinho. Cândido, por sua vez, ficou sem querer passar aquela noite ali solitariamente ou, de repente, na companhia nada agradável de Curaçá...
A única solução foi os dois irem juntos para a rua. O medo faz coisas!
Cândido, acreditando ou não em alma penada, não quis nem saber de passar a noite sozinho numa situação daquelas.
Vale lembrar que naquela época, nas fazendas, a luz durante à noite era somente a da lua e da candeia. Barulho só se ouvia da própria natureza, pois a vizinhança situava-se bem distante.