Causo 4 do livro "Casos Inacreditáveis de Coribe", de Marcos Macedo.

Causos de Coribe - Lobisomem à prova de balas

 

| Em homenagem aos meus grandes amigos que moram na zona rural de Coribe/BA |

 

 

Era um dia de Sexta-Feira Santa!

 

Seu Salvador morava numa casa distante de vizinhos e sempre dizia que nada o fazia ter medo. Para chegar na casa dele, partindo-se da de Seu Jequié, seu vizinho mais próximo, descia-se um longo corredor estreito.

 

Tratava-se de um trajeto cheio de pedras até cerca de 500 metros do destino. A partir daí, passava-se numa baixada de grama alta e com muitos pés de manga do lado esquerdo do caminho.

 

Todo o terreiro em volta da casa de Seu Salvador estava e está até hoje repleto de árvores e, consequentemente, de sombras. Dizem que sombras são ótimas para esconder alma penada!

 

Naquele dia santo, por volta de meia noite, Salvador acordou com um latido estranho e estrondoso. O barulho fazia soar um eco nas capoeiras que tinha ali perto.

 

O latido não parava e o som vinha da área externa de sua casa, onde tinha uma mesa e um filtro de barro com água para beber.

 

Aquele espaço era coberto, porém não tinha parede dos lados. O telhado que o cobria foi puxado da casa.

 

O som vinha, então, dali, mais precisamente, do canto onde estava o filtro em cima de um pequeno móvel de madeira, o qual é chamado popularmente de muningueiro. No meio dele ficava o pote de água sem filtrar, onde se via juntar, de vez em quando, umas pererecas e gias, ou seja, rãs.

 

Às vezes, quando a água do filtro secava, diante da demora em filtrar e da sede, o jeito era beber a água do pote. Alerta um conhecido ditado para não irmos com muita sede ao pote, mas muitos não seguiam o conselho e, com grandes goladas, acabavam engolindo, junto com a água, gias vivas.

 

Ocorre que elas, felizmente, devido ao tamanho, não passavam na garganta e eram expulsas dali com um forte tossido ... não faltam relatos nesse sentido!

 

Voltando ao caso, o corajoso Salvador pegou seu revólver carregado e saiu para o terreiro com a candeia na mão para dar um jeito no intruso animal, que até então ele não sabia se se tratava de cachorro ou outro bicho. O objetivo seria afugentá-lo e não o matar.

 

O animal estava em frente ao muningueiro com os olhos avermelhados e um sentado bem parecido com o de um cachorro quando dobra as patas traseiras, as da frente ficam completamente esticadas e o bumbum se apoia no chão.

 

O homem corajoso tentou, conforme premeditado, apenas expulsá-lo dali para acabar com o barulho perturbador. Sem sucesso, deparou-se com um terrível rosnado, levando-o a tremer de medo.

 

As tentativas amigáveis de fazê-lo sair daquele local não deram certo e o animal começou a fazer gestos de que iria partir para o ataque. Ficou muito agressivo e, além de rosnar ferozmente, passou a dar sopros e se mexer. O ataque estava iminente!

 

O jeito foi Seu Salvador apelar para tiros de revólver, que passavam direto pelo animal e acertavam diretamente a parede, como se aquele bicho fosse uma sombra.

 

Após vários tiros sem sucesso, aquela assombração deu um rugido muito alto e assustador, uma mistura de latido de cachorro com uivado de lobo.

 

Como os tiros estavam passando direto, sem ferir o animal, que continuava intacto, o medo arrochou excessivamente e o jeito foi pedir ajuda.

 

Seu Salvador foi na casa do vizinho mais próximo, o Seu Jequié, um senhor de muita coragem também. Precisou chamá-lo diversas vezes para ser atendido, uma vez que, naquela casa, todos já estavam dormindo.

 

Ao apontar a cara na janela, do lado de dentro, Jequié falou:

– O que foi mesmo Salvador? Uma hora dessa você aqui me chamando! O que aconteceu?

 

Ainda com sono, ouviu Salvador contar-lhe o caso, mas não acreditou! Aí veio o convite para ir lá conferir de perto. E foram os dois!

 

O vizinho pegou um trinta e oito e desceu para lá, sem acreditar em nada do que seu amigo lhe contou. Mas, ao chegar na casa de Salvador, confirmou-se o caso. O estranhíssimo animal ainda estava lá!

 

Eles deram vários tiros nele e atiraram pedras também, o que, além de não o ferir, só serviram para aborrecê-lo cada vez mais.

 

A parede já estava toda estraçalhada quando, bruscamente, aquela assombração saiu correndo para cima deles.

 

No susto, cada um foi para um lado e o ser desconhecido passou no meio deles, indo em direção ao fundo do quintal numa velocidade assustadora.

 

Em questão de segundos, desapareceu-se no horizonte, mas os homens ficaram ouvindo cachorros latirem bem distante dali, de uma forma muito diferente.

 

Em intervalos de tempo curtos e regulares, ouvia-se breves latidos de cachorros vindos da direção para onde partiu o lobisomem.

 

Quando os mais próximos paravam de latir, ouvia-se outros bem mais distantes e assim por diante, até não ser mais possível ouvi-los, como se aquela assombração estivesse seguindo um trajeto e, à medida que avançava, os cachorros da vizinhança o viam, latiam e silenciavam-se em seguida para que os mais distantes continuassem aquele estranho espetáculo para os ouvidos e vistas de Salvador e Jequié.

 

O último e quinto latido de cachorro que pôde ser ouvido aparentava ser muito, mas muito distante da casa e ocorreu a menos de 10 segundos do momento em que o lobisomem foi para cima dos homens.

 

Os referidos intervalos de tempo tinham uma duração não maior que 2 segundos, um tempo razoavelmente curto para um ser normal transitar tamanhas distâncias.

 

Por fim, vale ressaltar que, com exceção do canto de corujas, o silêncio dominava o ambiente, dando margem para uma perfeita audição e apreciação daquele fato estranho.

 

 

Marcos Macedo (Cantor)
Enviado por Marcos Macedo (Cantor) em 09/02/2023
Reeditado em 09/02/2023
Código do texto: T7715241
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