Causo 2 do livro "Casos Inacreditáveis de Coribe"
A perseguição num corredor estreito
Lauro de Freitas morava na fazenda Formiga com sua mulher, Dona Santana, e seus filhos pequenos.
Certo dia, teve que ir trabalhar na Fazenda da Ema e disse à esposa o dia e horário certos que voltaria.
Antes de mais nada, é preciso reforçar, ao menos brevemente, que naquela época e lugar a comunicação à distância dava-se apenas por meio de recados. Entretanto, nem sempre aparecia alguém que poderia interligar remetente e destinatário para dar o recado.
Ademais, quando Seu Lauro combinava uma coisa, ele sempre cumpria o trato: o homem tinha palavra! Assim sendo, montou em seu cavalo bom de sela e seguiu rumo à fazenda da Ema.
Andou muitas léguas e, lá chegando, trabalhou alguns dias e fez muitas tarefas de roça, garantindo seu sustento e de sua família com seu trabalho braçal.
Lauro terminou o serviço concomitantemente com o vencimento do prazo marcado para voltar para casa. Já era à noite, mas não importava, uma vez que tinha falado que voltaria naquele dia.
Arreou o cavalo, colocou as esporas na botina e foi se despedir do pessoal da fazenda. A dona da casa, Sra. Valença, o perguntou:
– Lauro, você vai para onde uma hora dessa?
Ele respondeu que iria embora para sua casa na Formiga. Disse ela:
– Você está doido homem! Faz isso não... Já é à noite. Dorme aqui mesmo com a gente!
Ocorre que ele não poderia deixar Dona Santana preocupada e insistiu que iria embora. Não quis descumprir o trato com ela de maneira alguma.
A atenciosa senhora, por fim, falou:
– Você tem coragem mesmo! Uma escuridão dessa... eu não iria de jeito nenhum!
Lauro então se despediu e foi embora.
Após andar por algumas léguas à luz da lua, passou numa baixada. Ali tinha muito gado, que estava em silêncio enquanto ele se aproximava.
Ao passar no meio daqueles animais, eles levantaram-se e berraram, porém, ficaram parados com os olhos brilhando, refletindo a lua.
Lauro tocou alguns para saírem de sua frente. Lentamente foram saindo, mas continuaram berrando.
Ao se distanciar do rebanho, notou-se que aquelas cabeças de gado começaram a segui-lo, razão pela qual ele as gritou. Os animais espantaram-se com o grito, ocorrendo o estouro da boiada. Saíram correndo para todos os lados.
Pensou ele:
– Para que eu fui espantar esse gado! Não precisava fazer isso.
Estava arrependido de ter gritado e assustado o rebanho. Foi andando e se lamentando:
– Gado é um bicho sagrado... eu não deveria ter espantado esses animais. Eles estavam todos em paz e agora estão assustados!
Lá na frente, ao sair da manga onde estava o rebanho, iniciou-se a jornada num corredor estreito e ensombrado, completamente embrulhado pelos galhos das árvores que tinham na beira da cerca. Apesar de tamparem a claridade da lua, seu cavalo continuava naquela pisada boa e macia.
É importante salientar que, ao entrar ali, passava-se a existir apenas duas opções: voltar para trás ou seguir em frente até sair lá fora.
Digo isso porque existem corredores que dão a opção de passar debaixo da cerca, mas aquele ali não era o caso, pois além de ter um arame farpado bem esticado, a cerca estava muito fechada pelo mato e, como dito, de árvores também.
Após percorrer uns 500 metros, o cavalo começou a refugar. Não queria passar ali de forma alguma. Ia se desviando de alguma coisa que Lauro não enxergava, até que empacou de vez.
Naquela peleja, o cavaleiro apertou as esporas, mas não teve solução. O cavalo não andava nem um passo sequer.
Quebrou um galho de árvore e fez um bom chicote para reforçar as esporas. Mesmo assim, o animal não avançava de jeito nenhum. Não teve como fazê-lo andar.
Nessa luta, o cavalo encarou em alguma coisa na beira da cerca e foi se afastando de ré.
De repente, o cavalo empinou bruscamente, mas Lauro, um ótimo montador, não caiu naquele instante.
Ao invés disso, folgou a rédea e arrochou as esporas no animal, que deu um salto para frente e parou novamente, como se estivesse vendo alguma pessoa impedindo sua passagem. Foi uma arrancada impressionante!
Naquele momento, Lauro de Freitas olhou para seu lado direito e viu um homem de camisa mal abotoada sentado numa pedra que tinha na beira do corredor. Ele conhecia aquele senhor.
Lauro o perguntou:
– O que você está fazendo aqui, Caetité?
Caetité, apesar de ser um velho conhecido daquele cavaleiro, não respondeu nada. Já tinha algumas semanas que eles não se viam.
Aquele homem gostava de tomar cachaça e andava com a camisa abotoada nos buracos errados, razão pela qual ficava toda desengonçada.
Lauro achou estranho ver Caetité ali, naquele lugar e naquela hora. Falava com ele, mas não tinha resposta. O jeito foi tentar seguir a viagem, porém sua condução estava literalmente empacada e refugando demais.
Deu mais umas arrochadas no seu cavalo bom e, após outra empinada, seguida de um enorme pulo, um lençol branco apareceu em sua frente e veio de forma abrupta em sua direção. O homem e o cavalo foram cobertos por aquela coisa estranha.
Em meio ao clarão branco e luminoso gerado, completamente embrulhado por aquilo e com seu cavalo pulando enlouquecidamente, Lauro perdeu o equilíbrio e bateu o peito num galho de uma das árvores daquele corredor estreito.
A queda do cavaleiro foi inevitável, porém, devido à sua destreza, caiu de pé. Logo que caiu, o lençol desapareceu e Caetité também, pelo menos por enquanto! O problema é que o cavalo saiu correndo, voltando para trás.
Lauro não tinha outra saída a não ser voltar com jeito, ou seja, com delicadeza, para pegar o cavalo de volta que, por sua vez, correu bastante e o montador não podia fazer o mesmo para evitar que ele disparasse.
O homem foi caminhando a passos largos, quase trotando. Bem distante dali o animal já havia parado e estava comendo capim perto de onde estava o gado assustado, cujo dono era Caetité.
Com muito bom jeito e experiência, entrou naquele mato e foi chamando aquele dócil cavalo, que o deixou pegá-lo. Não tinha outro caminho senão voltar pelo mesmo corredor de novo.
Desta vez, Lauro passou numa velocidade maior, mantendo forte a pressão das esporas para evitar que o cavalo parasse novamente. Deitou na sela para não se chocar com os galhos e foi se aproximando do local do sufoco. Felizmente, a passagem por ali foi um sucesso: não houve lençol, nem Caetité!
Naquela pisada boa, macia, suave... bastante aliviado, o trabalhador foi andando por todo aquele corredor, sentindo fortes dores no peito devido à pancada que levou ao bater no galho. Ao sair lá fora, adentrou numa manga, andando agora pelos carreiros.
Foi aí que começou outra tormenta: quando olhava para trás, avistava aquele homem o seguindo. Lauro andava, andava, andava..., porém, sempre que olhava para trás, lá estava Caetité, perseguindo-o.
Quando parava, seu velho conhecido fazia o mesmo. A distância entre eles era de aproximadamente quinze metros, mantendo-se constante durante todo o percurso, até chegar na sede de Coribe, quando Caetité deixou de segui-lo e sumiu no horizonte atrás de Lauro.
Foi longa aquela perseguição. Da sede, o cavaleiro foi para a Formiga, chegando lá quase de madrugada.
Ao desarrear o cavalo e soltá-lo no piquete, entrou para dentro de sua casa e Dona Santana foi logo lhe perguntando:
– Lauro, como você vem uma hora dessa! Por que não deixou para vir durante o dia? Com quem você veio? Foi sozinho?
Lauro disse que não! Sua esposa então o indagou com quem teria vindo e ele a respondeu que foi com Caetité.
Ela lhe disse:
– Não brinca! Como você pode falar uma coisa dessa?
Lauro, sem saber de nada, contou a história para Dona Santana e, antes de concluir o causo, ela lhe revelou que Caetité havia morrido e sido enterrado no dia anterior, no período da manhã.
Este é um dos causos em que, sem o contador saber previamente da morte, o falecido apareceu para ele.
Se o narrador do fato sabe da morte antes de ver a livusia, dar margem para alguém dizer que foi o medo que o fez ver coisas... É o que diz o ditado: o medo faz coisas.
Contudo, verifica-se que tal ditado não se aplica a este causo, uma vez que se trata do aparecimento de um defunto que foi visto por alguém que não tinha conhecimento prévio de sua morte!