Causos de Coribe - Com Deus não se brinca
Causo 11 do livro "Casos Inacreditáveis de Coribe", de Marcos Macedo
Primeiramente, dizem por aí que não se pode sequer pensar: nem Deus me toma isto ou aquilo!
Dito isto, vamos ao caso.
Em meados de 1960, um dos fazendeiros mais ricos de Coribe, chamado Belmonte, foi ao município de Correntina e lá comprou quarenta novilhas nelore lindas. O pelo delas chegava a brilhar. Pele bem lisa e com peso na medida certa, um sonho para qualquer criador de gado. Eram, verdadeiramente, belezuras de se ver!
Quando as novilhas chegaram em Coribe e foram levadas para a fazenda, Belmonte chamou os amigos para apreciá-las. Em cima da cerca de madeira do curral, eles diziam:
– Nunca vi umas garrotas bonitas como essas!
Deram muitas gargalhadas de felicidade ao vê-las e, após longa conversa, num dado momento, o dono falou em alta voz:
– Ninguém toma essas novilhas de mim!
Todos sorriram alto e o fazendeiro, entusiasmado, completou o discurso:
– Nem Deus toma elas de mim!
Dona Nazaré, esposa de Belmonte, escutou a conversa e o reclamou:
– Como você pode falar uma coisa dessa Belmonte! Você está ficando doido? Você não pode brincar com Deus não!
Belmonte, dando gargalhadas com os companheiros, disse à esposa:
– Vai cuidar do almoço mulher! Aqui é conversa de homem! Não se intrometa na conversa nossa não!
Após longa comemoração e exaltação no curral, o dono das novilhas ordenou a Pindaí, seu vaqueiro, para levá-las ao pasto, ou seja, para a manga de capim. E assim foi feito.
Era um dia de sol, sem nenhuma nuvem no céu.
Seu Camaçari trabalhava para donos de fazenda, principalmente capinando e roçando terrenos. Naquele dia, ele estava roçando uma manga ao lado da que as novilhas foram colocadas e as via de longe e dava para perceber o tanto que eram bonitas... olhando para elas a todo instante, seguiu trabalhando debaixo de um sol escaldante.
Faltando umas duas horas para terminar sua jornada diária, que sempre se encerrava quando o sol sumia, Seu Camaçari percebeu a formação de uma pequena nuvem de chuva, daquelas escuras que todos conhecem.
Essa nuvem veio viajando lentamente até fazer sombra sobre sua cabeça e das novilhas. Ele percebia que no horizonte estava de sol, o que o fez concluir que se tratava de chuva passageira.
De repente, começou a trovoar e relampear. Quando iniciou um leve chuvisco, o trabalhador deixou sua foice espetada na terra e correu para debaixo de uma árvore. As lindas novilhas estavam todas de pé naquele instante.
Num dado momento, caiu um raio na cerca próxima de onde estava o rebanho e Camaçari viu a faísca correr pelo arame até sumir.
Poucos minutos depois, a nuvem passou, o sol voltou e as novilhas estavam todas deitadas do lado da cerca.
Ele voltou a trabalhar e ficou de olho nelas, percebendo que continuavam deitadas.
Passados alguns momentos, passou a cavalo o vaqueiro Pindaí em direção às novilhas. Lá chegando, desceu do cavalo e passou no meio delas.
Camaçari ficou observando tudo, vendo que elas não se mexiam, mesmo com a presença do trabalhador de Belmonte.
Pindaí, após diversas passadas de mão na cabeça e no rosto, como se desesperado estivesse, montou no cavalo e saiu a galope, o arrochando ao máximo.
Seu Camaçari achou estranho e foi lá verificar. Tristemente, se deparou com todas as lindas novilhas mortas pelo raio.
O vaqueiro, chegando na casa do fazendeiro, foi logo indagado sobre como estavam as novilhas:
– E aí seu Pindaí, como estão minhas lindezas?
Pindaí respondeu:
– Estão todas deitadas!
Belmonte ficou assustado e indagou ao vaqueiro:
– Como assim? Deitadas uma hora dessa? Elas têm que está é comendo capim agora!
Pindaí disse novamente que, de fato, estavam todas deitadas e fez, gaguejando, o triste esclarecimento:
– Patrão, as quarenta novilhas estão todas lá no chão. Todas estão deitadas no chão, pois estão todas mortas! Não ficou uma viva para contar a história!
Sem acreditar, disse Belmonte:
– Você está ficando doido! Não pode ser verdade uma coisa dessa! Como que essas garrotas morreram Pindaí?
Antes do vaqueiro responder, Dona Nazaré tomou a palavra:
– Está vendo aí Belmonte! Você foi brincar com Deus... Viu aí no que deu? Você falou que nem Deus te tomava elas! Você está vendo o problema de conversar demais? Quem conversa demais dá bom dia cavalo!
Inconformado, respondeu-lhe o fazendeiro:
– Mas não pode uma coisa dessa acontecer! Será que Deus é vingativo desse jeito? Não pode acontecer isso não! Eu falei foi brincando! Não é possível aceitar um prejuízo desse não! Não dá nem para acreditar numa coisa dessa...
A esposa reforçou ao marido que com Deus não se brinca.
Belmonte ficou tão enfurecido que, se Deus aparecesse ali naquele momento, segundo as testemunhas do fato, é certo que seria agredido por ele.
Dona Nazaré, na tentativa de acalmá-lo, disse:
– Fica quieto que é melhor! Já não basta o que aconteceu? Isso aí só aconteceu para você nunca mais atentar contra Deus... conforme-se e deixe de falar besteira!
E assim aconteceu o famoso causo coribense da morte de quarenta novilhas em um dia ensolarado!