PROCISSÃO DAS ALMAS

Tempos atrás, quando a fé e a religiosidade do povo não haviam sido contaminadas pelas novidades da tecnologia, se acreditava que as almas penadas, aquelas que mais precisavam de ajuda para sair do purgatório, desfilavam em procissão pelas avenidas das cidades nas noites de sexta-feira quando essas coincidiam com a fase de lua cheia.

Mas como sempre acontece com esses causos de mistério, não se sabia e até hoje ninguém sabe dizer, em qual dessas sextas-feiras haveria a procissão

Muitos eram os relatos de pessoas que levadas pela curiosidade haviam perdido a vida por ter visto a procissão pelas frestas das portas ou janelas das casas que ficavam de frente para a avenida por onde o cortejo das almas passava.

Tia Donzinha, que morreu com mais de cem anos quando eu ainda era menino, era viúva de um meu tio-bisavô e contava que, quando ela era mocinha, tinha uma tia, irmã do pai dela, chamada Maria Dolores, que morava com os seus pais. Seu Antônio Moreira, pai de tia Donzinha, era comerciante e tinha uma venda no térreo do sobrado em que moravam na rua principal da cidade.

Era uma dessas vendas que tem de tudo, espelhinho, bacalhau, fumo de rolo, querosene, farinha, goiabada, charque, biscoito, arroz em casca, feijão limpo, que era catado pela família antes de ser colocado à venda por preço bem mais caro que o sujo cheio de pedrisco e terra, além das bugigangas necessárias à vida daquela época em que não se tinham as facilidades de hoje, que se compra tudo pelo telefone e os cabras vêm entregar nas portas.

Pois bem, essa rua terminava na praça na frente da igreja que tinha o cemitério por detrás e a mãe de Tia Donzinha, muito religiosa e cumpridora dos preceitos, toda sexta-feira de lua, fechava as portas e janelas e colocava cortinas para tapar as frestas para que as almas passassem sem que a família fosse afetada por elas.

Diz que “curiosidade matou o gato” e quando foi numa dessas sextas-feiras essa solteirona resolveu observar a procissão através da janela do quarto dela que se abria para a rua principal. Altas horas da noite, apareceram os vultos brancos com velas acesas nas mãos escaveiradas.

Em vez de fechar a janela e pedir perdão a Deus pela curiosidade, a desavisada aumentou a fresta da janela para ver melhor, nesse momento apareceu junto dela uma alma de uma mocinha muito bonita, com um sorriso nos lábios entregou a ela a vela acesa e disse que na outra noite viria fazer-lhe uma visita, porque agora não podia por estar participando da procissão. Quando a tia Dolores pegou a vela ela se apagou no mesmo instante. Ela guardou a vela na mesa de cabeceira e foi dormir.

Pela manhã contou o que tinha visto, mas não falou que seria visitada pela alma penada nem que tinha guardado a vela.

No outro dia, nada dela acordar. Chamaram várias vezes, mas ela não respondia, então a mãe de tia Donzinha foi no quarto e deparou-se com o cadáver da cunhada frio e duro em cima da cama segurando a vela parcialmente queimada e que em vez de ser feita com cera, era feita de osso de defunto.