Toleimado

Não sei não

O toleimado, rançoso que só, parvo mesmo, o toleimado, feito burro atolado, nao saía do lugar. Sempre ali, de cócoras, igualzinho mulher em trabalho de parto, o rançoso era um toleimado. Um que só preguiça. A lerdeza de pernas e braços.

Acredita que não saiu do lugar nem quando o pavor invadiu a vila? Não. Não se dignou nem levantar zóio. Tudo igual. Tudo sem movimento. O mundo era isso pra ele. De cócoras passava horas; no máximo um ajeitar de pernas, quando muito, e uma vez só.

Nem pra comer o sujeito se ajeitava em levantar. Nada! Era tão cansado, tão toleimado, que inté o gado, sim, isso mesmo, o gado, o gado acostumado, ou por genética mesmo, que não era lá dos mais dinâmicos da bicharada, inté o gado dava sinais de irritação com o toleimado de cócoras. O bicho, o toleimado, inté, as veis, inté, a mando de alguém, o toleimado, inté ensaiava um caminhar, um desabrochar pra vida, como dizia Inhá Carlota, mãe dele, e de mais outros chegado a dez, a fora três que não vingou. O danado, como ia dizendo, inté, as veis, ensaiava um caminhar, mas logo desistia e voltava de cócoras, horas e horas, igualzinho, igualzinho mesmo, mulher em trabalho de parto. Sujeito lerdo! Como se diz aqui, sujeito lerdo de sol a pino. Toleimado, isso que é. Toleimado inté o firmamento. Eita que só! Faz tempo, faz tempo que já nem lembra mais. De passagem, só disso que lembra, de passagem um homem veio. Ficou cinco dias. Com ninguém falava. Foi a igreja. Lá disse pro vigário que estava de passagem, que vinha de umas bandas e que ia pra outras, não mais. Deu dinheiro pra obra do santo Deus, e foi. Antes parou no bar do Naldo. Tomou dois goles. Saiu. Só lembra disso, maís de nada .

Menino Zinho. Menino Zinho, esperto mais que cinco homens juntos, era o sexto, dos dez que vingou. Bom que só, gostava de descobrir trilhas. Gostava de sair bem cedo e ficar assim sem controle de tempo e hora pra voltar. Conhecia cada trecho de terra como se estivesse em suas mãos. Cada árvore, pedra, arbusto, nada, nadinha mesmo, era esquecido de Zinho. Menino bão de perna, quando alguém estava de precisão de guia, era Zinho que chamavam. Inté o delegado, as veis, pedia ajuda pra localizar forasteiro, gente estranha, que chegava de outras bandas, fazia arruaça e depois sumia. Aí,o delegado, homem firme de caráter, cumpridor das leis, chamava Zinho. Assim, prendeu uns 10 já. E também gente perdida. Zinho ia e achava. De tanto saber, inté equipe de TV foi Zinho ver. Deu trevista. Apareceu na TV. No dia da aparição, foi uma festa. O prefeito colocou o aparelho na praça, chamou a banda, fez comìcio. Falou tanto que quase esqueceu a trevista de Zinho. E assim foi. Deu- se deu o dia e chegou a noite. A praça lotou. Tinha pipoca e algodão doce, uma festa.

O toleimado, avesso e indiferente a tudo que se passava, de cócoras estava, de cócoras ficava. Vez em quando, por bom coração, alguém lhe trazia uma pipoca, um algodão, um quentaozinho, que dona Carlota tinha feito.

Assim foi. Praça lotada, político querendo aparecer, vigário abençoando, criançada se empanturrando de pipoca e algodão doce, o toleimado de cócoras, Naldinha...

Maria das Graças Gonçalves da Silva Moreira Neto, Naldinha. Mulher mais que conhecida por seus dotes avantajosos e invejados por outras mulheres, era uma proeminente cidadã. Acostumada às coisas burocráticas da prefeitura, era sabido, mais que sabido mesmo, que Naldinha, tinha um causo com sua excelência, o prefeito. Homem de famílias, pai de 5 crias, como ele mesmo dizia, fato era, e ninguém ignorava, que Naldinha, segunda dama, assim, ela se apresentava, Naldinha, no dia da transmissão da entrevista de Zinho, se postou bem atrás de sua excelência, excelentíssima, nas palavras do chefe de gabinete (puxa-saco para muitos), e viu a chegada do prefeito e sua senhora, a primeira - dama, minutos antes. Foi uma situação um tanto estranha, que até o toleimado, pela primeira vez, única vez, saiu de sua posição de cócoras. Ficou em pé. Observando tudo. Não demorou muito. Voltou para costumeira posição. Toleimado que só, único que ninguém incomodava em dirigir palavra, nem de ofensa, ocorre, que nesse dia, deu-se o inesperado, impossível, jamais pensado, fato. Naldinha, charmosa e chamativa, espalhafatosa, diziam algumas mais diretas, vendo-se oculta pela farta silueta da primeira dama, e, como quem não tolera o segundo Plano nas fotos, Naldinha, charmosa e chamativa, mais que um raio, um carro desgovernado ladeira abaixo, antes que alguém pudesse supor o que aconteceria, fato foi, sem bestamento, nem perdão ao santo de plantão, fato foi, Naldinha avançou e colocou todos o demais palco abaixo. O toleimado de cócoras estava, de cócoras ficou. Fato é, depois do ocorrido, deu-se por encerrado as apresentações. Prefeito e primeira -dama saíram, vigário deu bençãos a todos, o chefe de gabinete, mais que depressa, acorreu ao prefeito, ao que, sem medida e modos, mandou que o mesmo fosse cuidar da senhora segunda - dama.

Assim tudo se deu. Mas o que de fato a todos agradou, foi ver Zinho, o sexto, dos dez que vingou, na televisão. Era com orgulho que dona Carlota, àquela altura, já alta com as doses de quentão, olhava o filho na tela. Naldinha, refeita do ocorrido, charmosa e de avantajados atributos invejados pelas outras suas invejosas conterrâneas, assistia tudo com especial atenção; não tirava olhar de Zinho. O vigário, sério, dava bençãos. O toleimado, o toleimado cansado de ficar de cócoras, deitou e assim ficou, dormiu. O chefe de gabinete, o chefe de gabinete foi visto na casa de dona Linda Alva, que não se dava a "eventuzinhos" agrabilísssimos aos mais simples, de olhos à meia porta, correu fechá-la, tão logo o aspone entrou.