UMA CERVEJINHA COM O POETA.
-"Era ele?!" O homem colocou as mãos na cabeça, incrédulo. -"Não acredito, ele estava aqui. Tomamos uma cerveja juntos." Aparício levou uns tapas na cabeça do Raimundo. -"Tu é uma mula mesmo, Aparício. O poetinha aqui do seu lado. Nenhuma foto ou autógrafo, justo você que se dizia fã número um, não o reconheceu." A patota do bar do Elias, o libanês, ria sem parar do pobre homem. Ele ergueu os braços. -"Como ia adivinhar que o poetinha viria por essas bandas de Bangú?! Num Fusca vermelho, em plena quarta feira de janeiro de 1978?!!" Vinicius de Moraes, nome ímpar da cultura brasileira. Diplomata de carreira, porta modernista, compositor de primeira grandeza e prateleira, letrista popular. Nasceu em 1913, no Rio de Janeiro. -"Vinícius começou a compor músicas com 15 anos, ainda no colégio. Em 1933, formou-se em Direito, jovenzinho de tudo e publicou seu primeiro livro, O Caminho para a Distância, uma coleção de poemas. Em 1935 publicou Forma e Exegese . Em 38 foi estudar na Inglaterra, onde lançou Novos Poemas. Voltou ao país tupiniquim, onde ingressou no Ministério das Relações Exteriores, em 43. Lançou Cinco Elegias, nesse ano. No início, sei estilo era mais religioso, neossimbolista, lírico, Vinícius se torna mais apaixonado, erótico até, falando de angústia e desejo, cotidiano, temas sociais, sua linguagem é mais coloquial, mais povão." O Elias serviu uma cachaça a um cliente. -"Agora a gente vai ter que aguentar o Aparício falar toda a vida do Vinícius. Meu pai eterno." O Aparício continuou. Os quatro na mesa de bilhar já sabiam de tudo aquilo, de tanto o Aparício falar. -"Em 53 ele compôs seu primeiro samba Quando Tu Passas por Mim. Escreveu a peça Orfeu da Conceição. Em 54 conhece e faz parceria com Tom Jobim. Chega de Saudade e Outra Vez são gravadas por Elizeth Cardoso, tendo ao violão João Gilberto, um março da Nossa Nova. Garota de Ipanema, de sua autoria, é sucesso mundial. -"A música brasileira mais conhecida no mundo!" Adiantou-se o Paulinho, na mesa de bilhar. Aparício riu. -"Dizem que o Brasil não tem Oscar mas Vinícius fez o roteiro de Orfeu Negro, de Marcel Camisa, que em 1959 ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Em 60, ele compôs com Pixinguinha, Carlos Lyra, Francis Hime, Dorival Caymi, Baden Powell e outros bambas da música. Em 68, aposentado do trabalho diplomático, pela ditadura militar, tornou-se parceiro do Toquinho, um excelente violinista..." A turma do bar se virou, em direção a porta. -"Obrigado pelo excelente, meu amigo!" Aparício se virou e deu de cara com Toquinho e Vinícius. O homem ficou branco igual vela. -"Vim socorrer o Vinícius. O pneu do fusquinha dele furou ali na esquina." O libanês notou o violão na mão do músico. -"Se cantarem Garota de Ipanema, não pagam a cerveja e ainda vou lá trocar o pneu do vosso carro." E foi assim que Vinícius e Toquinho deram um pequeno show no bar do libanês. Dessa vez, Aparício tirou fotos com a dupla. Vinicius faleceu em 1980, no Rio. FIM