Seu João de Filó e a velha garrucha

Adriana Ribeiro

Seu João de Filó é um velho caçador que vez em quando vende um dia ou dois de serviço ao meu pai na lida com as cercas da propriedade.

Há alguns anos se tornaram amigos e logo depois compadres de igreja quando batizou o meu irmão mais novo. Desde então, sempre que podem, se visitam.

Dia desses ele chegou lá em casa oferecendo ao compadre uma velha espingarda. Tinha o rosto, os braços e as mãos arranhados como se tivessem sido azunhados por um gato assustado.

Meu pai, que sempre gostava de tirar-lhe o sarro por causa das lorotas de caçador que lhe contava, não deixou a situação passar despercebida.

Depois de olhar o homem dos pés à cabeça de forma demorada perguntou-lhe:

__ Que foi isso Compadre João? Andou encangando os gatos de Dona Filó de novo foi?

Essa era uma pilhéria antiga que o povo contava duma surra que o caçador levara da mãe por ter tomado umas pingas e judiado dos gatos que ela criava com todo carinho.

Mas Seu João era um ancião bem humorado e não se ofendeu com a troça do amigo, porém lhe deu uma resposta no mínimo curiosa:

— Que nada Compadre! Faz duas noites que a Caipora me pegou de calça arriada atendendo uma dama lá pras bandas da mata ciliar e resolveu me dar um castigo. Só veio me soltar ontem de manhãzinha depois me retalhar o corpo com um facho de urtigas!

Meu pai parou de sorrir no mesmo instante, pois além da feição séria, havia um tom de verdade na voz do caçador.

__ Ora homem! E por que ela fez isso? __ Perguntou.

__Porque ela já tinha me avisado pra ficar longe da Iara e eu não obedeci! Respondeu o velho.

__ O Senhor sabe que tenho uma queda por mulher de cabelos longos! Continuou.

Meu pai deu uma gargalhada e percebendo que o velho amigo estava contando mais um dos seus causos de caçador, tornou a perguntar:

__Oxente meu Compadre! E por que o Senhor não deu o que ela queria também?

__ Arre Compadre! E o Senhor acha que ela me retalhou porquê? Depois do susto que levei quando vi aquela mulher jeitosa entrando no riacho e virando peixe com medo da caolha que estava atrás das minhas costas, como que eu ia ter condições de segurar o cachimbo aceso?

__ Que nada! Apagou o fogo do bicho na hora! E o resultado foi esse que o compadre tá vendo! Quando uma não me açoitava com a urtiga a outra tentava me afogar! A minha sorte foi uma moita de unha de gato que tinha na beira do rio. Me soquei debaixo e só saí quando o dia amanheceu!

Meu pai ficou olhando pro amigo e ainda em tom consternado disse:

__ E agora Compadre? O Senhor vai fazer o quê?

__ Vender minha espingarda! Não ponho meus pés no mato nunca mais! Nem passo na beira do rio! Danadas de mulheres ciumentas!

Meu pai não aguentou e voltou a gargalhar! Se não pela história, pela cara de coitado que Seu João de Filó olhava pra sua velha garrunha!

Dias depois meu pai chegou dizendo que seu João saiu da bodega escoltado por Dona Filó que segurava um galho de goiabeira!

Coisa de mãe zelosa que cumpre sua missão. Não dizem que “ filho criado trabalho dobrado”?

Pode ter sido o caso…

Adriribeiro
Enviado por Adriribeiro em 16/01/2023
Reeditado em 11/04/2024
Código do texto: T7696323
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