FAROL DO ATOL

(Conto inspirado na pintura do artista plástico Osvaldo Heinze)

O dia transcorrera tranquilo na velha traineira. A faina nesse ocaso, se limitava a remendar a rede danificada pela hélice quando, os três homens que bebericavam licor de jenipapo para recobrar as forças, recolhiam as poucas sardinhas capturadas.

O dia de céu limpo e sol forte sobre o mar sereno onde algas arribadas flutuavam indiferentes à presença humana deu lugar ao vento forte que preanuncia tormenta.

O latir cadenciado do motor foi substituído por espasmos de tosse indicativa de que algo estava errado e por fim o silêncio dos sem vida.

Mestre Paulo, o jovem patrão de pesca formado pela escola da Marinha, sabia que o problema era a falta de combustível, mas Anselmo, o maquinista, que havia alegado doença para não embarcar, tinha dito que os tanques estavam cheios, que tinham autonomia para quatro dias quando, na ponta do embarcadouro, entregou a maleta de ferramentas.

Não podia ser falta de combustível quando ainda nem se findara o segundo dia e também porque o motor durante a maior parte do tempo trabalhou em marcha lenta, como convém a todo velho...

A dor da traição é capaz de transtornar qualquer um.

Anselmo e Maria levavam a vida normal de casal sem filhos, na casa simples que o parco salário de mecânico de barco podia alugar. Maria, desde adolescente, trabalhava na alfaiataria de Nhô Jonatas e, depois de casada continuou para auxiliar nas despesas da casa. Ela sabia costurar camisas e foi esse o motivo que levou Mestre Paulo até a casa do casal.

Ele precisava de camisas mais folgadas para o trabalho.

Com a proximidade e os toques na tirada das medidas, Maria sentiu o cheiro do macho jovem e musculoso. Observou a dentadura perfeita, os cabelos negros em calculado desalinho, as unhas limpas, a cor de canela na pele aveludada por fina camada de pelos, o tom de voz envolvente. A comparação com o seu marido foi inevitável e o desejo de possuir aquele homem foi maior do que qualquer conveniência.

Quando a mulher quer, não há homem que resista.

Encontraram-se várias vezes às escondidas. Maria modificou o tratamento que dava ao marido que também sentiu o desprezo dentro de casa e a maneira sorrateira com que a vizinhança lhe observava entre risos e cochichos. Desconfiou, observou e constatou a traição.

Vingança é prato que se come frio e sem alarde...

A suavidade do tempo cedeu seu lugar à tormenta que encapelava as águas e aprofundava as ondas. Os coletes salva-vidas não estavam nos compartimentos, o bote inflável, rasgado, estava sem os remos e o tanque reserva de combustível cheio d’água. Os três homens em desespero viram despregar-se o madeiramento da quilha por causa do afrouxamento dos parafusos quando a traineira, fustigada pelas ondas, se retorcia e rodopiava ao mesmo tempo em que mergulhava para sempre nas águas profundas do alto-mar.

Em contraste com a solidão das coisas imensas, num ponto qualquer do horizonte indefinido, o Farol do Atol, emitia a sua luz

intermitente...

Farol do Atol, por Osvaldo Heinze

Pintura de óleo sobre tela, 70 x 50cm, ano 1978