A Construção da Capela

Lá na Região do Capão da Onça está uma calmaria...um sossego e depois que o Violeiro Hipólito solucionou o caso lá da Venda do Seu Zico, tudo mudou. Inclusive ele que fica ao lado da Brecholina, a ex-viúva.

As mulheres estão sorrindo atôa...como dizia a minha mãe a Preta Nita. Dona Isídia vai lavar sua roupa no córrego numa alegria! E a Dona Santa? O Bastião fala que ela é santa o dia inteiro, já a Dona Fulô há tempos não ouve a voz do Seu Chiquito nas noites pelo sertão e a Dona Benta, nem benzendo está mais. Aposentou os ramos, pois, o Seu Nélson tá uma maravilha e só bebe limonada. A Rosinha de casamento novo, não tira o olho do Dudu.

De uma coisa eu sei. Elas não gostam nem de ouvir falar o nome do Seu Zico, o dono da Venda.

A obra da capela está indo a todo vapor e todos estão preparando para a Festa de São José, “o santo fazedor de chuva”.

O Padre Joaquim de batina e o Sacristão Fortunato fazem a massa para o pedreiro Jeremias, que ficou com a responsabilidade de fazer a obra e sem contar, que os maridos do Boteco do Zico também vão lá dar suas contribuições. De vez em quando. Lá eles podem ir...

O Sacristão Fortunato, tinha uma amizade antiga com o pedreiro Jeremias e os dois eram compadres, pois, o Jeremias é padrinho do Honório, filho mais novo do Fortunato.

Para acelerar a obra o Jeremias logo foi ao assunto:

- Ô Pade Juaquim! Óia eu vô trabaiá inté mais mais todo dia, pa mode adiantá a obra. Pode chuvê e tá perto da nossa festa. E pra fazê a massa vô pricisá de mais um prajudá o cumpade Furtunato. O sinhôre otoriza?

O Padre Joaquim deu um sorriso de felicidade e:

- Que maravilha, Jeremias! Deus te pague meu filho! Estás abençoado! Está autorizado. O Fortunato vai te ajudar. E o Seu Chiquito não foi para o roçado hoje. Vá lá Fortunato e peça ajuda a ele.

Como se diz no sertão: compadre é para estas horas...o Fortunato não ia contra a fala doPpadre e nem do voluntarioso compadre.

O Fortunato montou no cavalo do padre, que levava o nome de “Cruz Credo”, o danado corria mais que um catingueiro e os fiéis:

- CRUZ CREDO...

E num passe de mágica, chegam o Fortunato e o Seu Chiquito e este suado e ao descer do animal:

- Cruis Credo! Eita ! Cavalin danado!

O Padre Joaquim agradece e deixa o seu cavalo para levar o Seu Chiquito de volta e vai à pé para a sua casa que não ficava tão longe dali.

E mãos a obra.

A prosa vem, a prosa vai e o tempo vai passando e o sol indo embora sem pressa...

Lá pelas seis da tarde, já cansados, escurecendo, o Seu Chiquito suado e cansado, desabafa:

- Ô diacho! Lembrei inté da Venda do Seu Zico. Se tivesse uma cachaça da boa eu inté bibia!

O Fortunato e o Jeremias entreolharam e o Fortunato:

-Óia. Cachaça num tem não. Mais, tem o vin do Pade. Mais se ele ficá sabeno qui nóis bebeu, inté iscumunga nóis.

O Jeremias foi logo ao assunto:

- Bão. Ninhum de nóis vai contá né?

O Fortunato abriu o armário e pegou uma garrafa de vinho, abriu e serviu aos amigos. O vinho estava tão delicioso que foi ao fundo da garrafa num piscar de olhos. E o Seu Chiquito:

- Gente qui vin dilicioso! Bão dimais da conta, sô! Óia, quem toma uma garrafa toma inté trêis deste vin.

O Fortunato gostando da ideia, mais que depressa, buscou outra garrafa.

O Seu Chiquito, já estava um pouco alterado e o dia já era noite, a massa já no fim ele logo abre a conversa:

- Bão. Vamo discansá, meus amigo?Amanhã se pricisá deu é só me buscá no Cruis Credo!

Os amigos se despedem e cada uma segue seu rumo. Só que o Fortunato tinha que levar o Seu Chiquito em sua humilde palhoça, que ficava lá boquerão.

Cruz Credo, o nobre cavalo do Padre, carregando os bebuns e a cada sacudida o álcool subia mais à cabeça e o animal já sentindo o bafo dos dois amigos,resolveu aumentar a toada pra chegar logo ao destino.

O Seu Chiquito no embalo do vinho começou cantar numa altura:

- Nóis toma o Vin do pade/Eita vin bão/Nóis toma o vin do pade/E vai imbora de alazão.

Os dois seguiram com a cantiga e saíram sertão afora.

Naquilo, mesmo de longe, a Dona Fulô que tinha um ouvido apurado, escutou, logo pôs a mão na cabeça e:

- Ô meu Deus! O incravado do Chiquito bebeu de novo! Ô grória! E desta vêis vô arresorvê à minha manêra.

Chegando à casa do Seu Chiquito a Dona Fulô já estava na porta da palhoça e:

- Ôcê num tem jeitio mermo né Chiquito! Bebeu de novo! Tá lembrado da Venda do Seu Zico?

Ele pra aliviar a barra:

- FULôzinha meu amôre! Foi só uma dosinha do Vin do pade?

E ela furiosa:

- O pade deu vin prôcêis tomá no selviço? Vô tirá a limpo quêle. Tem trololó nisso.

Olha, foi um desatino. E agora? O Padre vai ficar sabendo da história, o pedreiro Jeremias pode perder o emprego, o

Fortunato desesperado e o que fazer?

O Seu Chiquito se ajoelha e:

- Pelo amo de Deus Fulôzinha! Num mexe cuisso não! Vai inté fedê e o pade vai iscumungá a gente!

E lá se foi a Dona Fulô foi falar com o padre.

O Padre preparando as hóstias do domingo quando bate a porta.

E:

- Pade Juaquim! Ô pade Juaquim!

Ele abre a porta e:

- Boa Noite, Dona Fulô! O que aconteceu? O Seu Chiquito, não caiu do andaime né? O que foi?

Ela até cuspino de brava:

- O sinhôre deu vin pa mode ês tomá e o Chiquito chegô in casa bebin, cantano numa artura na garupa do Cruis Credo, junto cum o Fortunato que tomém tava quase latino de bêbo.

Não demorou muito, o Fortunato chega e a Donna Fulô:

- Óia pade! A situação do Furtunato!

E o padre nervoso:

- Fortunato, a partir de hoje você não é mais o sacristão! Você foi longe demais!

O Fortunato saiu cabisbaixo e foi embora à pé.

O padre se desculpou:

- Óia Dona Fulô. Não vai acontecer mais esta situação.

Dizem que quem é o novo Sacristão é o Dudu. Ele mesmo. O Dudu da Rosinha.

Chegando a casa a Dona Fulô encontrou o Seu Chiquito dormindo feito um anjo, que foi acordado aos trancos e berros.

Já o Fortunato foi embora para o Brejo Grande e segundo os comentários, ele não gosta nem de ouvir falar em vinho.

O Dudu da Rosinha já está participando das missas. Dizem que ela já disse:

- Cuidiado cum o vin do pade!

Mais um causo no sertão!

Inté!

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 27/12/2022
Código do texto: T7680952
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