A Venda do Seu Zico

Nos finais de semana ou mesmo nos finais de tarde, os botecos tem a presença marcante dos fregueses, principalmente lá na Venda do Seu Zico, que fica no colo do sertão, mais conhecido como Capão da Onça.

Caboclo ajeitado que gostava de atender a todos do mesmo jeito sem distinção do credo ou raça e assim ele ia levando a Venda onde, além da cachaça da boa, havia também o fumo, o querosene, e até aquele toicinho salgado no balcão, enxada, a foice e outros utensílios da roça.

Aos sábados e domingos, lotava e era o jogo de Truco, um na prosa sobre as plantações, outros tomando uma alambicada e aquele outro falando da vida da roça e assim por diante.

Dona Isídia começou a reclamar do marido Apolinário sobre a ausência dele em casa nos finais de semana e foi até a casa da vizinha e comadre Dona Santa que morava há uma légua da sua palhoça e foi logo ao assunto:

- Bão dia cumade Santa. A famia tá boa? Vim aqui pa mode pidi uma ajuda a sinhora e vê se nóis arresorve uma situação.

E Dona Santa preocupada:

- Bão dia cumade Isídia. Vamo intrá. Senta aí. A minha famia ta boa e pelo jeito a sinhora tá nevrosa. O qui eu posso fazê pa mode ajudá a sinhora?

Aí ela desabafou:

- Óia comade. O Apolináro num sai da Venda do Seu Zico e diz qui lá é bão e qui a prosa é boa e eu tô achano qui tem caroço nesse angu. Vamo fiscalizá?

A Dona Santa logo emendou a prosa:

- Óia. Eu tomém to Cabrera cum isso. O Bastião só fica na Venda do Seu Zico nos finale de semana e pôco fala cum nóis. Já recramei inté cum o Pade Juaquim, que disse que o ofertóro caiu e qui o dinhêro num dá nem pa mode com prá as velas do artá. Tô veno qui reza num vai diantá. Vamo arreuni cum asôtas amiga e vamo pô um fim nesse drama.

Dona Santa logo calçou seu chinelo e saíram sertão adentro para reunir com as outras amigas.

Debaixo de um pé de Gameleira, uma sombra fresquinha e aconchegante, aos poucos foi chegando as amigas. A Rosinha quenamora do Dudu reclamava e até a benzedeira Dona Benta esbravejava e dizia:

- Óia. Eu já inté curri os ramo no Nérso drumino, mais, ele num mióra. É só dá o finale de semana quêle tá lá na Venda do Seu Zico. Este tale de Zico deve sê doce.

E lá também a Dona Fulô do Seu Chiquito, que além tomar todas ainda dava um de cantor e saía cantando pelo sertão afora numa altura que até a passarada fugia.

De repente ouvia-se um som de viola ao longe e era o Hipólito Violeiro, cabra que gostava de umas cantigas caipiras raízes e também escrevia letras de música. Vendo aquele alvoroço ele logo vai ao assunto:

- Vixi! Qui tá aconticeno aqui, gente? Parece que a coisa num tá muitio boa. Parece inté piriquito no mio, uai! Eu posso arresorvê?

A Dona Santa que era a mais exaltada interviu e:

- Óia! Piriquito no mio não! Ôcê arrespeitia nòis. Nóis tá muitio chatiada cum os marido e o namorado da Rosinha qui num sai da Venda do Seu Zico. Os finale de semana pa nóis é um sufrimento.

O Hipólito ouvindo aquilo resolve ajudar:

- Óia. Eu posso dá um jeito nisso. Mais ôcêis tem qui me ajudá. Óia. Eu tô de ôio na viúva Brecholina e ela nem óia preu. Se ôcêis falá deu prela e ela me aceitiá, vô arresorvê isso.

Mais que depressa a Dona Isídia:

- Óia! Podexá! Nóis arranja esse namoro e eu inté acho qui a única pessoa qui num tá cum pobrema é ela.

Mais se o Seu Belarmino, fosse vivo e eu agaranto quêle tava lá, sentado im riba do saco de arrôis.

Feito isso, o Hipólito montou em seu pangaré, viola nas costas, açoitou a animal e saiu em disparada rumo á Venda do Seu Zico.

De longe o Hipólito já ouvia a alegria dos maridos, o namorado da Rosinha falando da caçada e o Hipólito diminuiu a toada do pangaré, parou em frente à Venda do Seu Zico , tirou a viola das costas e cantou:

- Aqui na Venda do Seu Zico/ Todo mundo é corno/ Todo mundo é corno/ Todo mundo é corno assumido/ Aqui todo mundo é corno/ Seu Zico e seus amigo.

Pensa num alvoroço. Logo o Seu Zico pegou a garrucha, o Apolinário catou um pedaço de Aroeira que estava na porta da Venda e o Dudu pegou o facão na prateleira. O Hipólito já havia açoitado o pangaré que só via a camisa do violeiro tremulando e desapareceu na cortina de poeira do estradão.

Depois disso o Bastião disse:

- Adispois nóis peguêle. Mais acho mió a gente imbora pra casa sinão essa musga pode pegá...e nóis vai ficá famoso...

Foi uma calmaria e os maridos agora só em casa e as mulheres numa alegria incontida.

.O Hipólito casou-se com a Brecholina e foi morar lá no pé da Serra do Bambu. E ela já falou pra ele:

- Óia. Cumigo é deferente. Se ôce fô pra Venda do Seu Zico eu vô disfazê o trato que fiz cum as amiga.

E ele:

- Que isso amôre? Eu Sô seu violêro apaxonado!

Dizem que ele só toca da janela e para Brecholina...senão...

A Dona Isídia falou pra Seu Apolinário:

- Agora vê se ôcê tem tempo preu!

O Bastião hoje em dia só fala assim:

- Casei cum uma santa!

Dona Fulô falou alto com seu Chiquito:

- Quero vê ocê agora, saí puraí cantano arto feitio o tale pavaróto!

Já o Seu Zico tá em sua Venda debruçado no balcão, com a mão no queixo e sem vender nada. E fala em até mudar da região.

O Dudu casou com a rosinha e só de ela olhar pra ele, ele já entende.

O ofertório da igreja aumentou. O padre Joaquim já disse ao Fortunato, o sacristão:

- Agora vamos terminar a obra da Capela!

E o Fortunato em pensamento:

- Aleluia! E o istoque do vin vai miorá!

As más línguas dizem, que ele bebe o vinho do padre. Escondido.

Mas aí é outra história!

Bom, esse foi mais um causo no sertão.

Inté!

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 24/12/2022
Reeditado em 03/10/2023
Código do texto: T7678840
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