O Piscado da Dona Isaltina
O dia ainda estava escuro, quando a Dona Isaltina começou a fazer as quitandas: biscoitos, bolos e preparar aquele café para as visitas que iam chegar à tarde. A palhoça era humilde e a chaminé cuspia fumaça e o vento incumbia de espalhar no ar em forma de névoa.
O Seu Onofre também já de pé, pitava seu palheiro na porta da cozinha e jogava milho para as galinhas que eram muitas e lá no fundo do quintal os porcos a grunhir querendo também a sua parte.
O seus filhos estavam dormindo e aos poucos iam acordando e se levantando. Uns espreguiçando, outros aquecendo ao lado do fogão à lenha, eram três filhos: Gaspar, Glória e o Juca.
O cheiro da fornada invadia o sertão e até os vizinhos mais próximos diziam que a Dona Isaltina era a melhor quitandeira da região.
Família simples, e a rocinha produzia que dava para o consumo e até para vender na cidade, para ajudar no orçamento da família.
O Seu Onofre até que era calmo e compreensivo, mas, a Dona Isaltina era muito brava e não gostava da falta de educação e nem que as crianças entrassem nas conversas. Como ia receber as visitas, chamou os filhos e:
- Óia. Hoje nóis vai recebê umas visita e ôceis já sabe né? Num gosto da farta de modo e nem qui entra nas cunversa. Se um dôceis intrá nas cunversa ô infiar a mão nas quitando pa mode cumê inhantes das visita, vai intra côro e vai sê de vara de Mororó trançada cum cipó de goiabêra. Vai pricisá de sale grosso pa mode banhá.
O Juca era o mais sapeca e tinha um apetite de leão, foi logo perguntando.
- Uai mãe! E nóis? Cumé que nóis vai sabê a hora de mastigar o biscotio gostoso da sinhora?
Dona Isaltina logo em alto tom respondeu:
- Óia. Condeu eu piscar, ôceis pode cumê à vontade mais, cum modo e mastigá cum a boca fechada. Sinão já viu né?
Os três concordaram balançando a cabeça.
A esperada tarde chegou e as visitas também. O Seu Amadeu e família, a viúva Ernestina e festeiro Seu Isidoro. O assunto era a organização da tradicional Festa de São José, o Santo fazedor de chuva. A colheita havia sido uma fartura e tinham que retribuir com muita fé e devoção.
Logo as crianças foram brincar pelo quintal, um corre daqui, outro dali, as meninas com as bonecas de pano, e a reunião, corria as mil maravilhas. De repente a Dona Isaltina:
- Óia gente. De cunversa nóis num vai inchê. Vamo pará um tiquim cum a prosa e tomá um cafezin.Fiz umas quitanda priço mermo.
Seu Onofre logo grita:
- Vamo tomá um cafezin, moçada!
Olha, foi um alvoroço. As crianças vieram numa correria...
O Juca, Gaspar e a Glória, quietinhos e as visitas começaram a se servirem.
O Juca passava a mão na barriga que roncava e os seu olhos no biscoito de polvilho, pois, era o que ele mais gostava.
De repente uma ventania e entrou um cisco no olho da Dona Isaltina. E ela começou a piscar e que não parava e os meninos quando viram as piscadas, enfiaram as mãos nas quitandas e o Juca pegou logo dois biscoitos, o Gaspar foi logo ao café com leite e o Glória no bolo de fubá e a Dona Isaltina piscando, piscando ...e o Juca cochichou no ouvido do Gaspar:
- Nossa mamãe hoje tá boazinha! Vamo apruveitiá. Come Gaspar e dêxa um pedaço de bolo pa Grorinha.
Foi aquele alvoroço.
Bom, terminaram de organizar a reunião, saíram todos com as barrigas cheias e a Dona Isaltina os acompanhou até a porteira e se despediu das visitas.
Ela entrou no cerrado, catou o Mororó e pegou dois cipós de goiabeira e foi pra casa.
Chegando a casa a Dona Isaltina colocou a mão atrás das costas escondendo os cipós e logo o Juca:
- Mãe, apostio qui a sinhora tá quereno fazê surpresa ni nóis. O qui a sinhora tá iscondeno de nóis? Mais qui biscoitio gostoso...óia, é meu prifirido!
Dona Isaltina pegou os três de cipó e o Juca gritava:
- O qui foi mãe? A sinhora num tava piscano sem pará?
E ela:
- Era um cisco no zóio seu esgulapado, isfomiado!
O Seu Onofre dava uma risadinha e falava baixinho:
- O qui o vento num fais? E laivai eu na Venda do Seu Tião comprá o sale grosso!
Foi uma tunda daquelas.
Dizem que aconteceu outra reunião na casa da Dona Isaltina. Mas, desta vez não ventou.
Coisas do sertão!
Inté.