A Rua dos Fracassos
guarda os desmemoriados,
minha mãe diz que Deus
apaga a memória da gente
porque não quer ver ninguém sofrendo.Deixa só uma marquinha no corpo.Eu fico contando as marcas da minha mãe,pensando no tanto que Deus teve que apagar.O rosto macilento e enrugado dela exibe marcas feias do tempo e das coisas que passou.Depois de ir ao médico, voltou estranha e cabisbaixa.
Meditativa, calada e determinada
cismou de me ensinar a ler.
Força meus olhos na bela grafia e nada entendo.Paciente, ela tenta me ensinar mas sou um bicho solto e impaciente. Louca para fugir e brincar, invejando
os colegas que riem à solta na rua lá fora,enquanto estou presa, sozinha com ela e os
lápis e cadernos.Laboriosas letras, desenhadas a perfeição,
que me faz repetir até doerem os dedos.Seu olhar perdido, enquanto me diz que um dia
vou ser uma grande escritora.
Eu detesto…mas fico com medo
dela enlouquecer,
igual à vizinha que vive penteando
os cabelos na rua e falando sozinha.
Então consigo rabiscar o meu nome e ela me olha tão feliz
Eu me sinto tão culpada e não digo a ela o que fiz.Assustada com os tremores nas suas mãos.
A dificuldade ao levantar até um copo.Então eu chorei…por não conseguir ser o que ela sonhou para mim.As vezes, o fracasso mora junto com a gente.
E não dá para escapar…
O que ela diria, se dissesse que vendi o corpo para comprar o jantar?