DESCAMINHOU E SE TORNOU AUSENTE

Erivaldo era um jovem nascido e criado em São José da Laje, na Zona da Mata de Alagoas.

Tomou gosto logo cedo pelo mundo dos livros e da leitura. Morava numa chácara, num

povoado precário, esquecido do poder público. Nos finais de semana, quando sempre

costumava faltar energia elétrica , ele se dirigia até a venda do Seu Antônio e esperava alguns

transeuntes mais abastados que tinham uma lanterna. Com eles caminhava até a praça

principal ( lá a energia nunca faltava, pois era onde ficava instalada a televisão para os pobres

se distraírem ). Erivaldo não tinha interesse em assistir TV, o espetáculo que ele queria assistir

era o que trazia leveza para sua alma, sorriso e afago. Erivaldo amava assistir o desafio dos

repentistas. Ele se imaginava também criando versos, mas tinha vergonha de se juntar aos

seus ídolos com medo de ser rejeitado por não ser sentir a altura deles e ser vaiado e estragar

o espetáculo. O jovenzinho trazia consigo poemas num caderninho. Eram versos inspirados do

cotidiano de sua vida pacata. Erivaldo levava uma vida simples, mas a riqueza da vida está na

simplicidade. O jovem gostava mais da alegria do dia, criava versos ao som dos pássaros. Tinha

uma mente privilegiada, sabia encaixar as palavras, e tudo se ajeitavam em sua alma sensível

de poeta. Além da poesia, Erivaldo varria a chácara, juntava as folhas que caíam das árvores,

aguava a horta, dava milho para as galinhas. A inspiração para compor vinha em sua mente

como cada gota vinda do céu na quadra chuvosa, o alívio para a terra árida. Erivaldo bebia

água de chuva, seus pais aproveitavam para encher os tonéis. Logo após a tempestade, o sol

resplandecia entre as nuvens escuras. O arco-íris chegava para completar o lindo cenário da

chácara. Erivaldo fez uma oração, conversou com Deus. Estava com o corpo ardido da cintada

que levou da mãe por ficar brincando na chuva, em tempo de pegar um resfriado. Erivaldo

chorou. Mas não chorou pela dor do castigo, e sim por causa que não queria mais aquela triste

vida para sua família. Ele sonhou que iria ganhar muito dinheiro com a sua arte, a arte da

poesia. Queria vencer a timidez, queria fazer um caminho que o levasse a ter um bom futuro

juntamente com seus pais. Erivaldo viu seu sonho se parecer com utopia. Passaram-se dias,

meses, anos... O jovem foi servir à Pátria. A partir do momento que ingressou no exército foi

aprendendo a guerrear, a ser um homem de coragem. Já era corajoso na escrita, faltava ser

aguerrido nas atitudes. Neste período de sua vida aconteceram alguns infortúnios, perdas:

seus pais partiram para junho de Deus. Ficou sozinho na chácara tendo que se virar com a falta

de energia constante, a casa precária, as pragas se espalhando nos pomares. Frutos podres,

escuridão, saudade, casa rachada. Os problemas o fizeram homem coração duro. Ele até

passou um tempo sem inspiração, esqueceu do seu sonho. Colocou-o na gaveta empoeirada

de sua triste alma. Incentivado por um amigo filho dos repentistas da praça, ele estudou pra

ser delegado de polícia. Os repentistas pagaram o estudo. A razão de ter escolhido uma

profissão que nada tem a ver com poesia, foi mais para tentar esconder sua alma pura que só

enxerga o mundo sem malícia. A vontade também de fazer justiça falou forte. A poesia tem a

ver com justiça, pois ela é como a luz que identifica a bagunça de nossa alma. Quem busca se

conhecer, saber onde fica a saída, e com amor se organiza por dentro, é um poeta. Erivaldo

casou, viu em Maria do Carmo um anjo, um amor quase maternal. Maria era tranquila, um tanto acabrunhado, vivia

para o lar ( como a maioria das mulheres dos tempos de outrora). Erivaldo deixou se

contaminar pela ignorância, se enquadrou naquela história esfarrapada de que o homem é

que manda, homem tem que cortar as asas da mulher. Maria de certe forma contribuiu, pois

se anulava. O casal teve três filhas: Maria Rosa, Maria Verene, Maria Cristina. Erivaldo, no

fundo, queria ter paz, queria uma vida diferente. Mas foi contaminado, se perdeu do caminho,

e foi sempre se mudando por causa do trabalho. Serviu a polícia como delegado em várias

cidades do sertão e da capital. Foi colecionando histórias, vida sacrificada do povo, os

conflitos... Muitas histórias. Erivaldo se reencontrou com a poesia. Se por um lado havia

voltado a viver o seu sonho, por outro passou a viver uma paixão. Ao vir morar na capital

alagoana, passou a frequentar os cabarés. Maria do Carmo chegou a pegar uma doença

venérea do marido. A mulher viu aquela situação e o caldo transbordou. Cansou de ficar

calada e levou um tapa do marido. Erivaldo no outro dia cai em si, pensa: Que besteira que eu

fiz! Minhas filhas não mereciam presenciar essa cena. Chorou, mas foi remorso. Ele voltou a

trair Maria do Carmo. Casou com uma jovem de 25 anos. Conheceu ela quando dava aulas

particulares de Matemática e Português, pois passou um período se recuperando de uma

estafa, sobrecarregado ele se encontrava . Maria do Carmo descobriu quando Alda já estava

grávida. Erivaldo queria manter as duas famílias. Mas Maria se ligou na vida, e não aceitou

mais ser diminuída. A dor da vida não contaminou a alma de Maria do Carmo. Ela aprendeu na

dificuldade da vida a extrair o seu melhor, a se valorizar, a não mais aceitar migalhas. As

meninas se identificam mais com a mãe que com o pai. Elas amam o pai, mas o vêem como um

homem que não aprendeu nada mesmo sendo um poeta.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 29/11/2022
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