CAUSO DE VELÓRIO

O tio João era um sujeito bem divertido. Quando a família se reunia ele era o mais engraçado, mais falante e sempre tinha um causo interessante para contar. Ele nunca parava no lugar. Trabalhava de motorista, mudava sempre de endereço e tinha o justo apelido de João Cigano.

 

O tempo passando irremediavelmente, os demais parentes foram envelhecendo e morrendo um a um. E a gente se encontrava frequentemente nos velórios. Pois, quando os irmãos e primos dele começaram a morrer, parece que foi parecido àquela brincadeira com os dominós. Derruba-se um e os outros vão em sequência.

 

Ele foi um dos últimos a ir para o cemitério, provavelmente porque estava sempre alegre e contava causos no velório, noite a dentro. Na morte de um dos tios, estava eu a viajar e não pude comparecer. Dias depois encontrei o tio João Cigano e perguntei:

 

- E aí, tio João? Como é que foi o velório do tio Benone?

 

- Nem te conto. Foi bão dimais! Só ocê num tava presente. Apareceram os primos e irmãos ainda vivos e a sobrinhada quase toda. E a cachaça tava boa, viu? Ninguém foi pra casa dormir. Contamos causos e rimos a noite toda. Lá pela madrugada apareceu até um violão. O dia amanheceu com a gente cantando.

 

- Uai, sô! Tava bão mesmo! Esse velório eu perdi, então. Pode deixar, tio, que no seu velório eu levo a cachaça e o cantador. Vai ser melhor ainda.

 

- Leva mesmo. Se num tiver bão assim, eu volto para assombrar.

 

Palavra dada, palavra cumprida. No velório de João Cigano só teve alegria. Como ele era. Nem a mulher dele, nem os filhos ficaram sem cantar e dançar. Foi o melhor velório de família em que estive presente.

 

 

Paulo Cezar S Ventura
Enviado por Paulo Cezar S Ventura em 11/11/2022
Reeditado em 11/11/2022
Código do texto: T7647711
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