MEU PRIMEIRO DIA NA ESCOLA
MEU PRIMEIRO DIA NA ESCOLA
O tempo passa, tudo se transforma, envelhecemos e ficam as lembranças arquivadas nas gavetas da memória, juntos guardamos os sonhos, as fantasias, e até mesmo uma saudade imensa que chega de mansinho, sem ser convidada e entra como penetra bisbilhotando o baú das nossas recordações.
Eu nasci no alto de uma colina de terra branca, entre dois córregos, de água pura e cristalina, protegidos por arvoredos. Uma diversidade de espécies florida e perfumada cobria suas margens. Nasci numa casinha amarra de cipó e barreada de chão batido, cheirando a reboco de estrume de vaca, misturado à terra de formigueiro.
Naquele casebre humilde, cercado pelo afetuoso carinho de meus pais, Deus esteve sempre presente, através das orações e de um harmonioso convívio conjugal. Meu espelho para a vida.
Os primeiros acordes musicais que chegaram aos meus ouvidos foram orquestrados pela natureza. O cântico dos passarinhos, o leve toque da brisa roçando a relva verdejante e a sinfonia do carro de boi entoando seu canto dolente no meio das matas.
Inebriado pelo perfume das flores, que a brisa carregava do campo, comecei a dar meus primeiros passos monitorados por minha saudosa mãe. Ali naquele santuário ecológico onde tudo era mágico, a simplicidade campestre protegia o meio ambiente. Foi assim meu mundo criança. Meu paraíso encantado, que eu não trocaria por nada.
Mas como o tempo passa e tudo se transforma, então chegou o momento de eu deixar meu universo encantado. Preces há completar oito anos, teria que frequentar a escola.
Para um bichinho do mato que corria livre entre os arbustos verdejantes, aspirando o perfume das flores, e admirando o malabarismo dos lambaris, nas belas fontes de águas cristalinas, disputando cada frutinha que caía das árvores, atiradas sobre elas pelo vento, não foi nada fácil. Mas nós precisávamos morar perto da escola.
Irradiante com a nossa mudança, meu avô Guilhermino me recebeu com um largo sorriso e as mãos cheias de frutas fresquinhas, colhidas no seu pomar, levou-me até a bica d’água que despencava para o monjolo. Meu avô então me ensinou a descascar a mexerica dentro d’água, evitando que o sumo enredeiro ficasse impregnado nas mãos.
Aquele carinho de avô amenizou um pouco o trauma que me entristecia com a nossa mudança. Mas pela fragilidade de um coraçãozinho selvagem, aceitar aquela situação foi como se um pedaço de mim, ou seja, meu cordão umbilical estivesse aprisionado àquele universo mágico onde eu nasci. Um mundo infantil de que eu julgava ser o seu dono absoluto.
Sem a mínima noção do que era a escola, qual não foi minha surpresa. No dia seguinte, ao entrar pela primeira vez numa sala de aula e deparar-me com aquela senhora, de voz pausada, mansa, e imaterial. Imaginei estar diante do anjo, que mamãe colocou em meu imaginário, afirmando ser ele meu protetor dia e noite em todos os lugares.
Minha professora era Dona Maria Guerra, já quase se aposentando, no final de carreira, depois de uma longa jornada iniciada em março de 1917, quando meus pais nem eram nascidos, mas que também foram seus alunos naquela mesma escola, construída por meu avô.
O tempo havia passado e dona Maria continuava com a mesma dedicação, o mesmo amor e carinho que tivera com as gerações que antecederam a mim, aos meus próprios pais tios e demais habitantes do Engenho. Iniciava-se o ano de 1950, seu último ano lecionando na rede pública, e meu primeiro ano na escola, aos oito anos incompletos. Tive o privilégio de receber seu carinho de mestra, apenas no primeiro semestre ela se aposentou, mudou-se para Bom Despacho e foi substituída por Dona Emilia Couto.
Atualmente, descendo os últimos degraus na vertente de minha existência, sinto-me honrado em ter cursado parte do meu primeiro ano primário, com ela, que foi mãe e mestra. Tornou-se célebre e está imortalizado, nos corações de todos os descendentes da geração educada por ela, Seu legado valeu, não só por toda minha vida, mas por todos os filhos de nossa abençoada terra, aqui no Vale do Picão!
OBS:(imagem google)