MEU PAI

Nascido no início do século passado no interior Maranhão,

criado onde crescem os brutos.

Meu pai odiava futebol.

Aliás, odiava a ideia de pessoas jogarem futebol.

Dizia que quem jogava era "malanda", malandro na linguagem dele.

Na época, só os do sexo masculino podiam jogar futebol. Mulher nem pensar!

Em casa éramos três apenas. Eu era o do meio.

Somente eu e o outro maior curtíamos uma "pelada".

Ordinariamente, a partida era no meio da rua mesmo,

mas às vezes íamos aos campinhos de terra com traves

que havia nas redondezas.

Reuníamos a "mulecada", todos sem camisas e descalços,

geralmente debaixo de um sol de rachar.

A bola era uma meia velha recheada de papel, outras vezes,

era bexiga de boi rebocada com látex colhido na chapada próxima.

Raramente era uma bola de verdade.

Chuteira, nem pensar.

Os "mais de condição" usavam Kichute, mas era raro.

Meu pai quase nunca estava em casa,

pois a profissão de braçal e o trabalho na roça não lhe permitiam.

Então, quando ele não estava nós

nos esbaldávamos com a "redonda".

Numa dessas vezes, saímos para brincar na rua.

Cada um tomou um destino diferente.

Eu fui bater uma bola no campinho em frente à igreja matriz.

No lusco-fusco, resolvi voltar para casa.

Chegando, entrei no barraco de pau a pique,

pé ante pé, ouvi uma conversa na cozinha.

Era minha mãe acalmando o "velho", porque àquela hora

ainda não estávamos em casa.

Depressa, corri ao encontro dos outros dois e contei a bronca.

E a impressão foi geral: - Eita, vamos levar um "couro"!

Quando voltamos prá casa, já nos arredores,

vimos que os dois já estavam sentados na porta de casa na calçada.

Era o costume após o jantar.

A noite foi caindo e o medo aumentando.

Lá para as tantas, decidimos por unanimidade que tínhamos que

nos submeter ao castigo, afinal uma hora ou outra tínhamos que retornar.

E fomos. Seja o que Deus quiser.

Como eu sempre fui o mais temente, fui na frente.

O mais novo era o mais arisco, ia na rabeira.

Na entrada era um corredor polonês de dois.

Passamos entre os dois silenciosamente.

O coração quase pulando do peito.

E minha mãe com todo carinho:

- Meus filhos, o jantar está em cima do fogão!

Nunca soube se escapamos da sova.

REMI
Enviado por REMI em 25/10/2022
Reeditado em 22/11/2023
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