ÁGUA DE COCO
Este causo aconteceu lá em Goiana no tempo da guerra.
Chico Batata vivia pelos sítios de Ponta de Pedras, fazendo a limpeza naquele mundão de coqueiros e foi contratado pelo Comendador para arranjar mil e quinhentos cocos secos, para a Saboaria da Paz fazer o sabão de coco que tinha sumido do mercado.
Naquele tempo todo sabão de coco vinha do Rio de Janeiro e por causa da guerra, estava faltando tudo que vinha de fora. Se alguém precisasse de chá para se salvar, morria à míngua, porque era mais fácil achar chifre em cabeça de égua do que um pedaço de sabão de coco.
O Comendador era dono de três ou quatro sítios, mas pelos cálculos, era preciso tirar em outros sítios e ele já tinha falado com os donos de coqueiros para dar conta da encomenda. Chico Batata para agilizar a entrega, falou com Valadão, barbeiro, para ele deixar Zezinho ir com ele para ajudar.
Na época, Zezinho era um molecote abestado com pouco mais de quinze anos e ia ganhar dez cruzeiros pelo dia de serviço que era maneiro demais.
Era só ir soltando a corda bem devagar para arriar os cachos sem quebrar os cocos, coisa que ia acontecer se caíssem lá de cima daqueles coqueiros altos como diacho, e tirar o gancho do cacho quando ele chegasse no chão para liberar a corda outra vez.
Ainda estava meio escuro quando eles começaram o trabalho na Ponta do Funil.
O mar estava calmo e lá de cima, Chico Batata viu um negócio estanho dentro do mar.
Parecia um cabo de vassoura fincado numa coisa escura, grande feito um tubarão baleia.
Com a mão espalmada na frente dos olhos tentou ver melhor, mas o sol ainda no nascente não deixou olhar por muito tempo e com o desenrolar do serviço, vez por outra olhava para o mar, tinha hora que a vara estava lá em pé, outra que desaparecia. Mas com certeza era um pau reto se deslocando por cima da água indo e voltando, as vezes perto, outras vezes longe da praia.
Zezinho, o ajudante, quando pararam para o almoço, disse que era invenção de Chico Batata para fazer medo a ele. Como é que um pau pode estar em pé no meio do mar andando de lá para cá? Ele não era abilolado para acreditar em conversa fiada, invenção besta de quem não tem assunto para conversar.
Agora, na boquinha da noite, com o serviço já quase acabado, Zezinho perguntou a Chico Batata, se aquele vulto escuro chegando perto deles era um barco.
A praia estava vazia, só tinha eles dois e, de fato era um barco inflável de lona que estava vindo pelo canto que as pontas das pedras podiam rasgar o fundo.
Tinha um homem de pé, na proa e quatro cabras remando. Todos estavam fardados. O homem tinha um revólver do cano longo pendurado na cintura e os quatro cabras, pegaram rifles depois de puxar o barco para a areia. O homem que estava de pé, veio ao encontro de Chico Batata falando que era amigo e com sotaque bem carregado pediu para beber a água e uns cocos para levar.
Hospitaleiro, como todo bom Pernambucano, Chico Batata, explicou que aqueles cocos não prestavam para beber, mas que ele ia tirar rapidinho uns bons para beber e comer a lama de dentro.
Se bem foi dito, melhor foi feito e o senhor já idoso, de boa aparência, vestido com uma farda preta toda enfeitada com galões dourados, com duas cruzes das pontas torcidas presas nos dois lados do colarinho, bebeu a água de três cocos quase de um fôlego só. Parecia que estava com a sede de setenta.
Chico Batata aparelhou e os homens que desceram do barquinho beberam a água e comeram a lama de mais de vinte cocos, entre sorrisos e conversas numa língua estranha, que parecia cachorro rosnando quando vai brigar.
O senhor que falava português, disse a Chico Batata que tinha morado em Pernambuco por um tempo e que quando viu ele trepado no coqueiro, aí não resistiu ao desejo de se deliciar outra vez com aquela água maravilhosa que só o coco tem.
Que esperou o fim do dia para ter a certeza de que a praia estivesse vazia para não correr o risco de ser visto e olhando para Zezinho, que estava mais desconfiado do que Noé quando viu um casal de cupim entrando na arca, perguntou se ele queria ir para a Alemanha para ser marinheiro e andar de submarino?
Zezinho respondeu – pai não deixa não senhor.
Chico Batata disse, quer dizer então que aquele cabo de vassoura que eu vi desde cedo era o senhor me olhando e que aquela sombra grande é o seu navio.
O velho sorrindo disse que não era cabo de vassoura, mas um periscópio e que a sombra era o seu submarino, mas pediu que ele não falasse com ninguém o que tinha visto, porque a missão era segredo absoluto, que se alguém descobrisse eles seriam condenados à morte, mas se eles ficassem calados, os dois, Chico Batata e Zezinho, seriam recompensados quando eles ganhassem a guerra.
Juntou os calcanhares, levantou o braço direito até a altura do ombro, disse ráiritle e foi-se embora levando quase uma carrada de coco verde.
- Tenha cuidado com as pontas das pedras para não rasgar o fundo do seu barco, ele está muito pesado...